por paulo eneas
O ex-presidente Jair Bolsonaro é o político brasileiro mais blindado pelo segmento não progressista da imprensa nacional, pois ele nunca é confrontado com perguntas que o tirem da zona de conforto das narrativas positivas a seu respeito que são disseminadas junto ao eleitorado de direita. Nenhum jornalista de nenhum veículo que se apresenta como de direita até hoje dignou-se a fazer a Jair Bolsonaro as perguntas abaixo, perguntas que eu faria numa hipotética entrevista com o ex-presidente:

01) Por que durante seu governo a investigação sobre Adélio Bispo ficou travada? Que tipo de constrangimento lhe traria a revelação de supostos eventuais mandantes do crime que Adélio cometeu contra o senhor?

02) Não lhe causa constrangimento saber que no primeiro ano do Governo Lula o caso Marielle tenha sido resolvido e que nos quatro anos de seu governo o caso Adélio tenha permanecido na obscuridade?

03) O senhor sempre afirmou categoricamente que houve fraude nas eleições de 2018, eleições em que o senhor foi o vencedor. Várias vezes o senhor afirmou ter provas sobre tais supostas fraudes. Por que o senhor nunca exibiu tais provas, mesmo quando teve oportunidade de fazê-lo em depoimento na Polícia Federal? Mas em vez disso preferiu alegar estar sob efeito de medicamentos. O senhor sempre esteve sob efeitos de medicamentos toda vez que falava, inclusive em público, sobre o assunto?

04) O enfrentamento à criminalidade e o acesso legal a armas foi o carro-chefe de sua primeira campanha. No decorrer de seu governo, foram editados decretos que de fato facilitaram o acesso civil legal a armas. No entanto, esses decretos foram todos revogados à canetada no primeiro dia do novo governo petista, de modo que não restou nenhum legado.

A pergunta é: por que durante seu governo não foi apresentado um projeto de lei alterando ou revogando o Estatuto do Desarmamento? Ou mesmo uma PEC nos moldes da segunda emenda à Constituição dos Estados Unidos? Por que o senhor limitou-se a editar decretos, sabendo da fragilidade jurídica desse instrumento em vez de focar na elaboração de um ordenamento jurídico mais robusto e perene sobre o acesso legal a armas?

05) Iniciada a pandemia, o seu governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que foi aprovado pelos parlamentares sem grandes alterações e sancionado pelo senhor, convertendo-se na Lei 13.979. Essa lei constituiu-se na retaguarda jurídica que deu respaldo a todas as medidas restritivas adotadas por governadores, prefeitos, dirigentes de autarquias e outros, tais como restrições de direitos civis, imposição de lockdowns, vacinação compulsória, confisco de bens pelo Estado e outras medidas dessa natureza.

Enquanto governantes locais adotavam tais medidas com base nas regras jurídicas que o seu governo criou via Lei 13.979, o senhor fazia discursos na internet condenando tais medidas, em uma flagrante contradição entre discurso e prática. Se o senhor era de fato contra tais medidas restritivas, por que então forneceu a governantes locais o instrumento jurídico que possibilitou a eles adotar estas ações?

06) Ainda sobre a pandemia: em dado momento, o senhor começou a afirmar que o Judiciário havia “tirado seus poderes” nos assuntos relativos à pandemia. Essa narrativa começou a ser disseminada após o Supremo Tribunal Federal ter declarado (corretamente) a inconstitucionalidade de uma medida provisória editada pelo seu governo que centralizava em Brasília as decisões relativas à pandemia.

A medida provisória era de fato inconstitucional por que a Constituição Federal diz claramente que a União, os Estados e os municípios possuem competências concorrentes para legislar em matéria de saúde pública, ao contrário da educação, onde a competência é privativa União.

A pergunta é: a sua assessoria jurídica desconhecia esse fato elementar? E mesmo o senhor com cerca de trinta anos de vida parlamentar desconhecia esse dispositivo constitucional? Ou essas trapalhadas aparentes foram apenas uma maneira dissimulada do senhor implementar indiretamente todas as medidas restritivas que foram adotadas na pandemia, mas terceirizando a responsabilidade e o ônus político de tais medidas para os governantes locais, como por exemplo o ex-governador João Doria, com quem o senhor travou os principais embates retóricos naquele período?

07) A última pergunta sobre pandemia: muitos médicos qua estavam na linha de frente no atendimento à vítimas da Covid-19 queixavam-se da ausência de uma norma técnica do Ministério da Saúde que lhes desse respaldo jurídico adicional, além da respaldo que era dado pelo Conselho Federal de Medicina. Por sua vez, o senhor em várias oportunidades fez lives na internet com caixinhas de remédio ao lado da mesa, mas nunca ordenou a seu ministro da Saúde a edição de tal norma técnica. De novo, por que essa diferença abissal entre os discursos do então presidente e a prática do governo?

08) Por que durante seu governo o senhor preencheu vários cargos importantes de segundo escalão e de livre provimento (cargos de confiança) com indicados do PT e do Judiciário, como por exemplo o representante do Brasil na OPAS, principal entidade de saúde latino-americana e que é controlada por Havana, para onde o senhor indicou o médico Jarbas Barbosa, criador do Programa Mais Médicos da era Dilma Rousseff, atendendo pedido do senador petista Humberto Costa, além de nomear para o CADE conselheiros indicados pelo Judiciário?

09) Um legado positivo inegável de seu governo foi a aprovação da Lei Complementar nº 179/2021 que instituiu a independência do Banco Central. Antes dela, o Banco Central na prática fazia o que o governo mandasse. Mas antes da aprovação dessa lei, o seu governo forçou a queda artificial da taxa de juros, fazendo a Selic chegar a 2.25% ao ano em maio de 2020, o que provocou uma inevitável disparada do dólar.

Seu governo iniciou-se com o dólar cotado a R$ 3.65 em 31/01/2019 e em maio de 2020, em consequência da derrubada artificial da taxa de juros à marretada (como o petista Lula vem tentando fazer desde o início do atual governo), a moeda norte-americana chegou a R$ 5.85 de cotação, o maior valor alcançado nos últimos anos e que permanece como topo histórico até hoje.

O senhor foi alertado desse risco da disparada do dólar, trazendo como consequência a inflação principalmente no setor de alimentos e energia, pelo seu ex-ministro Abraham Weintraub. O alerta foi ignorado e seu então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a afirmar que uma taxa de câmbio em torno de R$ 5.50 seria atrativa para os investimentos estrangeiros, uma afirmação com a qual nenhum economista sério concordaria.

A pergunta é: por que o senhor ignorou o alerta de Abraham Weintraub e por que o senhor concordou com a derrubada artificial da Taxa Selic à marretada, como Lula sempre quis e quer fazer? Ou o senhor vai alegar ignorância em matéria de economia e mandar perguntar a seu antigo Posto Ipiranga?

10) Por que o senhor concordou com a entrega da cabeça de seu então ministro da Educação, Abraham Weintraub, quando da crise de seu governo com o Judiciário, segundo relatou Paulo Guedes em entrevista à Revista Veja?

11) Ainda sobre Abraham Weintraub, por que o senhor concordou em fritar e se livrar de seu primeiro aliado importante vindo do meio acadêmico, quando o senhor era apenas um deputado do baixo clero pré-candidato presidencial com menos de dez por cento das intenções de voto, mesmo tendo sido Abraham Weintraub o autor de seu programa de governo e quem primeiro lhe abriu as portas para conversar com agentes do mercado financeiro, antes mesmo da adesão de Paulo Guedes à sua campanha?

12) Por que o senhor não cumpriu a promessa de mudança da Embaixada do Brasil em Israel para a capital daquele país, Jerusalém? De onde partiu a ordem de se impor uma espiral de silêncio sobre esse assunto entre seus apoiadores nas redes sociais, uma vez que o senhor nunca foi cobrado a respeito dessa promessa não cumprida? O senhor de fato tinha compromisso com essa mudança por convicção, ou foi apenas um ardil de campanha eleitoral para angariar apoio junto à influente comunidade judaica brasileira?

13) A sua decisão de exonerar o chanceler Ernesto Araújo atendeu a uma exigência do embaixador chinês, Yang Wanming, que sempre agiu com desenvoltura imiscuindo-se em assuntos políticos internos brasileiros, contrariando assim as normas da diplomacia internacional? Por que em momento algum o seu governo fez um protesto formal, seguindo as regras aceitas pela diplomacia internacional, junto ao governo chinês por conta da postura inconsequente do ex-embaixador?

14) Um de seus indicados para o Supremo Tribunal Federal foi o Dr. André Mendonça, que foi seu Advogado-Geral da União no início de seu governo. Na chefia da AGU, André Mendonça deu o parecer favorável ao primeiro inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal que passou a investigar muitos de seus apoiadores por supostas fake news.

Após a indicação de Mendonça, a quem o senhor chamou de “terrivelmente evangélico”, o dirigente petista José Dirceu passou a atuar ativamente junto a gabinetes de senadores em favor da aprovação do indicado. Pergunta: o senhor indicou André Mendonça atendendo pedido de José Dirceu?

15) Concordando-se ou não com todas as suas teses políticas, o professor Olavo de Carvalho foi a figura mais influente da direita nos últimos anos e criador do ambiente cultural e político que possibilitou sua vitória em 2018. Por que já a partir de 2019 o senhor passou a distribuir em seu mailing de jornalistas materiais bastante pueris contendo cards e “memes” com insultos e ofensas à pessoa de Olavo de Carvalho?

16) Qual foi o real objetivo da sua visita oficial de Chefe de Estado à Rússia poucos dias antes daquele país invadir a Ucrânia? A iminência da invasão já era sabida por todos os serviços de inteligência do mundo e até mesmo antecipada pela imprensa internacional. A razão oficial alegada foi a negociação de fertilizantes, o que não faz muito sentido pois trata-se de um tema que poderia ser facilmente tratado em nível de chancelaria, via diplomacia comercial.

O verdadeiro motivo da visita teria a ver com uma hipotética negociação para acesso do Brasil a tecnologias para submarino nuclear? O apoio dado pelo Brasil, sob seu governo, à invasão russa da Ucrânia (contrariando determinação da nossa Constituição Federal que afirma que o Brasil deve atuar sempre pela solução pacífica de conflitos internacionais) estaria relacionado ao acesso a estas tecnologias? O senhor chegou a afirmar em Moscou que “estamos fechados com a Rússia”. A afirmação dizia respeito ao apoio à Rússia na sua guerra de agressão contra a Ucrânia?

17) Uma pergunta mais simples e direta: por que o senhor reconduziu a senhora Nísia Trindade, socióloga e ativista da esquerda, à chefia da Fiocruz em janeiro de 2021, o que serviu para catapultar politicamente a ativista que hoje é Ministra da Saúde do Governo Lula? Ainda que ela tenha sido escolhida numa lista tríplice, por que não houve empenho em, agindo segundo os termos da lei, viabilizar outro nome mais alinhado com a suposta identidade política de seu governo?

18) Por que quando do lançamento do Aliança Pelo Brasil o senhor colocou no cargo de Secretário-Geral do partido o Dr. Admar Gonzaga, que foi advogado da campanha de Dilma Rousseff de 2010, posteriormente nomeado como ministro substituto do TSE em 2013 pela então presidente petista e depois nomeado como ministro efetivo da corte eleitoral entre 2017 e 2019 por Michel Temer?

19) Após a proclamação do resultado das eleições de 2022, seus agentes em redes sociais conclamaram seus eleitores a se mobilizarem em frente ao quartel do Exército em Brasília contestando o resultado. O senhor não fez nenhuma declaração formal reconhecendo o resultado das eleições, e recolheu-se ao silêncio. Estes mesmos agentes incitadores passaram então a afirmar que este silêncio do senhor seria supostamente “estratégico”, dando a entender que algum fato disruptivo iria ocorrer.

Pergunta: esse seu silêncio era de fato estratégico visando alguma ação disruptiva? Se não, por que o senhor não veio a público esclarecer do que se tratava, uma vez que seus agentes incitadores estariam então mentindo para seus eleitores e apoiadores ao disseminar uma interpretação que eles deram a seu silêncio, interpretação esta que nunca foi desmentida pelo senhor?

20) Durante as mobilizações em Brasília (DF) no pós eleição, o senhor chegou a dirigir-se ao público que estava acampado com discursos genéricos de esperança e confiança, o que fez aumentar a crença infundada de que haveria alguma ação disruptiva que impediria a posse do petista Lula. Bordões e clichês tais como “Aguarde mais 72 horas” ou “Não sobe a rampa” passaram então a ser disseminados em frenesi nas redes sociais. Pergunta: qual era o propósito real disso tudo? Por que o senhor ajudou a alimentar ilusões e expectativas que sabidamente jamais se realizariam?

22) Em evento público em dezembro de 2022, o então vice-presidente Hamilton Mourão dirigiu-lhe a palavra e a fala foi interpretada por comentaristas como sendo um pedido do então vice-presidente para que o senhor dissesse a verdade para seus apoiadores mobilizados. Segundo estes comentaristas, Mourão teria afirmado ao senhor: “abre o jogo”. Pergunta: o vice-presidente chegou realmente a apelar ao senhor para dizer a verdade aos manifestantes? Se sim, por que o senhor não atendeu ao apelo sensato do ex-vice-presidente?

23) Em discurso nesse final de semana no CPAC o senhor admitiu que teve um “pressentimento” do que ocorreria com os manifestantes que estavam acampados em Brasília e por isso fugiu do Brasil para se safar das consequências. O senhor afirmou no discurso: “Onde eu estaria uma hora dessas? [se não tivesse saído do Brasil em dezembro]”. Ou seja, o senhor afirmou que poderia estar preso, se não tivesse fugido, dando a entender uma admissão de culpa ou de responsabilidade.

Pergunta: se o senhor teve tal “pressentimento” como afirmou, por que não comunicou esse “pressentimento” às pessoas que estavam mobilizadas, orientando-as a irem para casa em paz? Afinal, em que pese as negativas retóricas, como dizer que estavam lá pela pátria, por Deus, pelos filhos, os manifestantes estavam mobilizados por que foram convocados para tal pelos seus agentes em rede social, que venderam a estas pessoas uma interpretação nunca desmentida das razões de seu silêncio. O senhor não se sente responsável, ainda que não legalmente, mas moralmente, pelo destino daquelas pessoas por conta de sua omissão ao fugir?

24) Que tipo de acordo o senhor fez com o PT e com Lula que o levou nos últimos dias de seu governo e antes de fugir do Brasil abandonando a Presidência da República, a suspender a portaria de proibição da entrada do ditador venezuelano Nicolas Maduro em solo brasileiro? Esse acordo envolveu a garantia da renovação pelo atual governo da permissão de viagem ao exterior dos assessores (funcionários públicos, a que o senhor tem direito por lei como ex-presidente) que o acompanharam em sua fuga?

25) As pessoas presas pelo Oito de Janeiro foram condenadas a penas pesadas de prisão com base na Lei 14.197. Em que pese aspectos processuais que podem ser questionados pelos advogados de defesa, o fato é que esta lei sancionada pelo senhor em 1 de setembro de 2021 deu o substrato jurídico para estas punições. A Lei 14.197 originou-se de projeto de lei de 1991 do falecido deputado petista Hélio Bicudo.

Durante os treze anos dos primeiros governos petistas, houve três tentativas de se colocar esse projeto de lei em pauta no Congresso Nacional, e em todas as vezes ele foi rechaçado, inclusive pela esquerda, dado o caráter extremamente autoritário do projeto, conforme constatei em pesquisa nos históricos de tramitação de projetos de lei do site oficial da Câmara dos Deputados.

Em meados de 2021 o senhor articulou com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para desengavetar mais uma vez esse projeto de trinta anos, e o fez ser aprovado com votos de sua base parlamentar, e foi sancionado pelo senhor em 1 de setembro de 2021, convertendo-se na Lei 14.197.

Assim como o projeto original de trinta anos do falecido jurista petista Hélio Bicudo, a Lei 14.197 sancionada pelo senhor aboliu a antiga Lei de Segurança Nacional e alterou artigos do Código Penal.

A nova lei possui uma redação que possibilita criminalizar com penas pesadas de prisão quaisquer manifestações políticas contra quaisquer autoridades, segundo interpretação do operador do direito. Atos que antes seriam punidos na justiça comum como atos de vandalismo e depredação de patrimônio público, passaram a ser tipificados como crimes contra o Estado de Direito e tentativa de Golpe de Estado.

Pergunta: qual foi a real motivação política para o senhor articular a aprovação e sancionar esta lei. Que demanda nacional urgente existia em 2021 que o levou a agir nesse sentido? O seu real objetivo com esta lei seria intimidar e criminalizar manifestações hostis que viessem a ocorrer num eventual segundo mandato seu caso o senhor fosse reeleito?

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