por paulo eneas
O Plano Real, o mais bem-sucedido programa de estabilização econômica da história do país, completou 30 anos em fevereiro último. Lançado em 27 de fevereiro de 1994 por meio de Medida Provisória do então presidente Itamar Franco, o plano promoveu a desindexação geral da economia, fez um arranjo satisfatório, ainda que não na escala necessária, das contas públicas, lançou uma nova moeda e, o mais importante, derrubou um ciclo de inflação crescente que vinha desde o final do regime militar, e que estava na ordem de 40% ao mês quando da adoção da nova moeda nacional, o que equivalia a cerca de 3.000% (três mil por cento) ao ano.

O plano começou a ser elaborado no segundo semestre de 1993 por uma equipe de economistas coordenada pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. O sucesso do plano catapultou o tucano para Presidência da República ao final de 1994. O principal beneficiário do plano foi a população de mais baixa renda, que era a mais penalizada pela hiperinflação: sem acesso ao mercado financeiro, esse setor via sua parca renda ser corroída diariamente sem meios de se proteger contra essa deterioração.

Os setores médios e obviamente os de alta renda conseguiam se proteger dos efeitos da hiperinflação por meio de operações de financiamento diário da dívida pública, o chamado overnight. Mas o principal beneficiário da hiperinflação era o setor público, por meio do imposto inflacionário, que fazia com que os orçamentos públicos da União, dos Estados e dos Municípios fossem apenas peças de ficção contábil.

Um tripé de pé quebrado
O Plano Real baseou-se no tripé macroeconômico formado pelo regime de câmbio flutuante, meta de inflação como balizadora da taxa de juros, e disciplina fiscal. O regime de câmbio flutuante se consolidou. Nem mesmo os mais aloprado economista de esquerda voltou a falar em controles cambiais, que são a fórmula perfeita para o fracasso.

O regime de metas de inflação também se firmou e foi reforçado pela aprovação Lei Complementar N° 179, de 25 de fevereiro de 2021, que prevê a autonomia operacional do Banco Central. A lei no entanto é falha ao não condicionar a estabilidade do board da autoridade monetária (a diretoria do Banco Central) ao cumprimento do regime de meta inflacionária.

O cerne do regime de metas de inflação sofreu ataques duros do petista Lula no início de seu terceiro mandato, conforme mostramos na reportagem Lula Declara Guerra Contra Autoridade Monetária Nacional e Fantasma da Inflação Volta a Rondar a Vida dos Brasileiros de fevereiro do ano passado. Para o bem do país, o petista Lula saiu derrotado em sua guerra verborrágica contra a autoridade monetária.

Por sua vez, a disciplina fiscal mostrou-se ao longo dos anos o mais frágil dos elementos do tripé, uma vez que é mais suscetível às pressões políticas.

O último reforço importante na disciplina fiscal foi a adoção da Lei do Teto de Gastos durante o governo de Michel Temer, mas que foi sendo gradualmente abandonada no Governo Bolsonaro e sepultada de vez na transição para o atual Governo Lula, que a substituiu pelo Novo Arcabouço Fiscal de Fernando Haddad, modelo nascido para não dar certo.

A esquerda foi contra o plano real
A esquerda, em especial os petistas, foi contra o plano real desde o seu início e votou contra a Medida Provisória que instituía o plano e a nova moeda. O argumento usado nas discussões internas do PT em 1994 afirmava que: “se isso passa, ficaremos sem discurso”. E de fato os petistas ficaram sem discurso, perdendo a eleição presidencial para os tucanos naquele ano e a eleição seguinte.

Cumpre observar que o então deputado Jair Bolsonaro também juntou-se aos petistas e ao resto da esquerda para votar contra o Plano Real na época, como mostra essa reportagem da Revista Veja de 2019, que traz o áudio da justificativa dada pelo deputado. Em trecho do áudio, Jair Bolsonaro afirma:

“[votar a favor do plano] seria o mesmo que honrar o noivado mesmo depois de descobrir que a noiva tem um defeito grave. Esse noivado tem de ser desmanchado, para que se evite que o filho, os pais venham a sofrer”.

O posicionamento adotado pelo então deputado Jair Bolsonaro na época iria marcar sua trajetória parlamentar de estar sempre alinhado com os petistas e com a esquerda em geral nas votações mais importante para o país.

Tentativa de reescrever a história
Nos últimos dias jornalistas e perfis de esquerda vem tentando reescrever a história disseminando a mentira segundo a qual o PT foi decisivo para consolidar o Plano Real. Nada pode ser mais falso. O PT apenas parou de combater o plano seis anos depois de sua adoção, quando o então presidente tucano Fernando Henrique Cardoso deixou claro sua intenção de entregar a presidência do país ao petista Lula.

Essa passagem de bastão foi condicionada a compromisso a ser assumido pelos petistas de preservar os fundamentos do Plano, em especial seu tripé macroeconômico. A chamada Carta aos Brasileiros de 2002 nasceu na verdade dois anos antes, no arranjo acertado entre o petista Lula e o tucano Fernando Henrique Cardoso em torno da preservação do plano real.

Foi só a partir daí que o PT mudou seu discurso. Paralelamente, Fernando Henrique Cardoso lançaria José Serra como candidato à sua sucessão. Serra foi lançado deliberadamente para perder, pois o compromisso do tucano era com os petistas.

No ano seguinte, para surpresa de muitos petistas e também para surpresa da muitos agentes econômicos, o médico Antonio Palocci assumiria o Ministério da Fazenda do primeiro Governo Lula adotando uma política econômica ortodoxa. Palocci estava entre os petistas que, ainda em 1994, não estava alinhado com a posição majoritária do PT que era hostil ao Plano Real.

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