por paulo eneas
Dentre os vários vícios que povoam o imaginário e a prática da direita política brasileira está o de raciocinar (isso quando raciocina) e analisar os cenário político por meio de slogans e frase de efeito ou de puro engajamento. Um desses slogans é justamente o de que “Toda CPI acaba em pizza”, numa demonstração de absoluta ignorância e desconhecimento da história política recente do Brasil.

O slogan surgiu em comentários sobre artigo Senador Propõe CPI Para Apurar Inquéritos das Fake News e das Milícias Digitais, publicado nesta terça-feira no Inteligência Analítica, onde analisamos a proposta do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os inquéritos das Fake News e da Milícias Digitais instalados no Supremo Tribunal Federal. No artigo, que pode ser visto nesse link aqui, pontuamos o seguinte:

  • A proposta merece ser acompanhada com atenção, junto com a necessária dose de ceticismo, pois se trata de uma iniciativa fora da esfera contaminada do bolsonarismo.
  • O senador Alessandro Vieira não é “parte interessada” uma vez que, até onde é de conhecimento público, ele não é investigado em nenhum desses inquéritos.
  • Alessandro Vieira foi um dos senadores que integrou o grupo Muda Senado junto com o falecido senador Major Olímpio no início do Governo Bolsonaro e esteve na linha de frente pela CPI da Lava Toga, que foi sepultada antes de nascer pelo então presidente Jair Bolsonaro.
  • A forma pela qual esta CPI está sendo proposta vai muito mais ao encontro do núcleo das tensões recentes entre Judiciário e Legislativo, principalmente no que diz respeito à execução orçamentária.
  • A proposta de CPI portanto tem maior potencial de viabilização política, diferentemente da pauta fake do impeachment de Alexandre de Moraes levantada pelo bolsonarismo e seus satélites, como tem sido de momento o caso do Partido Novo.
  • A pauta do impeachment é fake por que ela não se constitui numa intenção real dos seus proponentes, leia-se, Jair Bolsonaro, traduzida em articulação política efetiva para sua viabilização. Trata-se tão somente de uma bandeira retórica para a mobilização da base bolsonarista.
  • Uma das evidências disso, conforme mostramos no artigo linkado acima, é que todas as ações do Judiciário desde 2019, inclusive a abertura dos inquéritos, tiveram o respaldo e endosso do chefe do Executivo de então, por meio de sua Advocacia-Geral da União.

Mais Uma CPI Para Terminar em Pizza?
É rigorosamente falso que toda CPI termina em pizza. Nos anos recentes, os principais eventos políticos do país vieram como desdobramentos de uma CPI ou CPMI, como um breve apanhado histórico pode mostrar:

CPMI do Correios Revelou o Escândalo do Mensalão
A CPMI dos Correios, instalada em junho de 2005 teve seu ponto culminante quando o então deputado federal Roberto Jefferson acusou o então deputado federal petista José Dirceu de coordenar um esquema de corrupção de parlamentares que ficou conhecido como Mensalão.

O então presidente Lula na época só não sofreu impeachment por conta dessa denúncia por decisão da “oposição” chefiada pelo PSDB, em especial pela ação de Fernando Henrique Cardoso. Cerca de sete anos depois, a Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal levou a prisão vários dirigentes petistas acusados de envolvimento no escândalo. Isso é o mesmo que terminar em pizza?

CPI dos Anões do Orçamento
Criada ainda no longínquo ano de 1993, investigou uma série de denúncias de irregularidades e fraudes no Orçamento Federal. A CPI concluiu resultando no pedido de cassação de 18 deputados, sendo que seis tiveram seus mandatos cassados e quatro renunciaram para fugir à cassação. Isso é o mesmo que terminar em pizza?

CPI dos Títulos Públicos ou dos Precatórios
Criada em 1997 investigou crimes de fraude em emissões de títulos públicos de prefeituras e estados para cumprir dívidas judiciais (precatórios). A CPI juntamente com as investigações policiais deram origem a vários processos criminais, inclusive envolvendo o antigo prefeito paulistano, Paulo Maluf e seu secretário de finanças Celso Pitta.

Em decorrência, foi aprimorada legislação sobre lavagem de dinheiro e regras mais rígidas relativas a emissão de títulos públicos, pata fins de pagamentos de precatórios, dos entes federados. Isso é o mesmo que terminar em pizza?

CPI da Petrobras no Senado Federal
Foi criada em 2009 e passou a operar em 2014 no esteira das repercussões da Operação Lava Jato. Foi a CPI que teve papel fundamental da queda da presidente petista Dilma Rousseff pouco mais de um ano depois por processo de impeachment.

A CPI investigou uma série de denúncias de irregularidade na estatal petroleira, que envolviam desde a compra da Refinaria de Pasadena, construção da refinaria Abreu Lima, irregularidades no uso da verba publicitária da estatal e inúmeras outras. Vários personagens suspeitos, entre diretores da estatal, empreiteiros e políticos ganharam destaque nacional.

Houve também denúncias de tentativa de suborno e propina a parlamentares da comissão. Ao final,a CPI recomendou o indiciamento de 52 pessoas por crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e associação criminosa. Político suspeitos ficaram fora das recomendações de indiciamento.

Nem Toda CPI Acaba em Pizza
O que a história recente mostra é que muitas CPIs mudaram o rumo do cenário político. Óbvio que muitas delas de fato terminaram em pizza, mas isso não elide o fato de que uma Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento poderoso de embate político e disputa de poder, uma vez que estas comissões são dotadas de poder de polícia e de investigação por norma constitucional.

Ao longo do anos a esquerda tornou-se expert em fazer uso desse instrumento visando seus objetivos de poder. A direita pós-2018, por sua vez, tornou-se especialista em aproveitar o palco das CPIs para demonstrar seu amadorismo, incompetência e despreparo político para atuar nessas instâncias do parlamento.

Uma direita expert em apanhar e sofrer derrotas, pois acha que atuar em CPI se resume  a lacrar para fazer recorte para redes sociais. Isso ficou evidenciado na CPI da Covid, na CPI do MST e na CPI do Oito de Janeiro, que serviu apenas para dar projeção nacional ao então ministro da Justiça, Flavio Dino, tamanho amadorismo vexaminoso da atuação da bancada supostamente de direita.

Se a proposta de CPI do senador Alessandro Vieira vai progredir e se vai produzir resultados não temos como saber. Não temos bola de cristal, apenas fazemos análise política com base em dados do presente e do passado e projeções de cenários com base nesses dados.

Mas é extremamente positivo que uma iniciativa como a proposta desta CPI parta de um setor não vinculado ao bolsonarismo, pois este, além de ser amador no embate político na arena que realmente importa, está a sofrer derrotas e vende-las para sua base como se fossem vitórias. E não serão vitórias imaginárias enganadoras e ilusórias que irão mudar o atual status quo institucional brasileiro.

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