Apresentamos aqui, além da nova proposta de CPI do senador Alessandro Vieira (MBD-SE), um breve apanhado histórico dos inquéritos abertos no supremo desde 2019 e o papel desempenhado pelo então presidente Jair Bolsonaro na sua efetivação via seu AGU, e analisamos as perspectivas desse nova proposta de CPI.
por paulo eneas
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) deu início esta semana a coleta de assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal para investigar supostas irregularidades na condução dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, inquéritos estes conduzidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
Na exposição de motivos, o senador afirma que o objetivo é da CPI é verificar questões envolvendo transparência, possíveis violações do sistema acusatório bem como prorrogações indevidas nas ações conduzidas pelo ministro.
“Não estamos buscando revisar o mérito das decisões judiciais proferidas pelo ministro, mas sim garantir que o processo seja conduzido com total transparência e de acordo com os princípios constitucionais”, afirmou o senador.
Além de criticar as decisões recentes do ministro Alexandre de Moraes, o senador Alessandro Vieira alegou problemas de segurança jurídica no país por conta, em seu entender, da concentração de poderes e ausência de divulgação integral dos fundamentos das respectivas decisões judiciais.
Breve Histórico dos Inquéritos
O Inquérito das Fake News foi aberto em 14 de março de 2019 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Antonio Dias Toffoli, a partir de uma interpretação particular do artigo 43 regimento interno da corte, que estendeu suas dependências para todo o território nacional. Toffoli atribuiu a relatoria do inquérito ao ministro Alexandre de Moraes.
O inquérito investiga supostas notícias falsas e supostas ameaças contra magistrados e seus familiares. Ato contínuo, em 16 de abril de 2019 a então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, decidiu pelo arquivamento do referido inquérito, alegando sua inconstitucionalidade. Raquel Dodge fundamentou em sua petição:
O sistema penal acusatório não autoriza que a condução da investigação penal seja feita pelo Judiciário, notadamente quando exclui o titular da ação penal, ou quando impõe sigilo a ele na condução da investigação. Estas medidas afrontam o artigo 129-I, II, VII, VIII e § 2º da Constituição.
O inquérito prosseguiu a despeito da manifestação da Procuradoria-Geral da República. Tiveram início então as execuções de mandados prisão, de busca, apreensão e ordens de bloqueios de perfis em redes sociais de diversos cidadãos em sua quase totalidade apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro Elogia Alexandre de Moraes
A decisão de Alexandre de Moraes de ordenar à revista Crusoé a retirada do ar de uma reportagem envolvendo nomes de ministros da corte, tomada no âmbito do Inquérito das Fake News em abril daquele ano de 2019, gerou uma série de críticas, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil, entidades de classe e demais integrantes da corte.
Após a revogação de medida cautelar de restrição da publicação em 18 de abril de 2019 em face de “informações adicionais”, o então presidente Jair Bolsonaro parabenizou o magistrado pela decisão.
Advocacia Geral da União Sai em Defesa do Inquérito 4781
Em 22 de abril de 2019, o então Advogado-Geral da União (AGU), Dr. André Mendonça, indicado para a função pelo então presidente Jair Bolsonaro, manifestou-se contra um pedido de arquivamento do Inquérito 4781 feito pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).
Em manifestação enviada à corte, o Dr. André Mendonça discordou da Procuradoria-Geral da República afirmando que “não se sustenta a alegação de que esse Supremo Tribunal Federal estaria fazendo as vezes de Estado-acusador, quando, em verdade, apenas lhe competiria o papel de Estado-julgador”.
A arguição do Dr. André Mendonça prossegue afirmando que “o que está em curso consiste apenas em fase prévia, de cunho investigativo, cuja principal finalidade é colher elementos”, concluindo que “as eventuais conclusões desse procedimento prévio [o inquérito das fake news] poderão ensejar a instauração de ação penal, a qual tramitará perante a autoridade jurisdicional competente para apreciá-la e julgá-la”.
Entre os argumentos da entidade nacional dos procuradores estava o de que o referido inquérito não tem alvo específico, havendo notícias de que procuradores poderiam ser investigados “a qualquer momento e, sem conhecerem os motivos, tornarem-se investigados”. Aqui também a AGU refutou essa alegação. Fonte: Agência Brasil de 22/04/2019.
No ano seguinte, em 26 de maio de 2020, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi incluído no Inquérito 4781 por conta de afirmação feita em reunião fechada de ministros cuja gravação veio a público.
Seguiu-se então uma série de medidas que incluíram bloqueios de perfis em redes sociais e diligências de busca e apreensão, quebra de sigilos bancários, prisões e outras medidas no escopo do referido inquérito e que atingiram cidadãos comuns, empresários, e detentores de mandatos parlamentares.
O Inquérito das Milícias Digitais
Em julho de 2021 foi aberto o Inquérito das Milícias Digitais (Inquérito 4874), por decisão do ministro Alexandre de Moraes. O objetivo formal do inquérito é “descobrir uma possível organização criminosa atuando digitalmente contra a democracia”. O inquérito possui diversas antigas autoridades como alvo de investigação, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Este inquérito teve (11) onze prorrogações, sendo que última delas ocorreu em julho deste ano, que prorrogou o inquérito por mais 180 dias.
As Perspectivas da CPI Proposta Pelo Senador Alessandro Vieira
Em nota divulgada sobre sua proposta de CPI no Senado Federal, o senador Alessandro Vieira enfatizou que o objetivo não é revisar o mérito das decisões judiciais proferidas pelo ministro nos inquéritos. No entender do senador, manifesto na nota:
“O país não pode ficar eternamente paralisado por uma opaca disputa de narrativas, onde de um lado se acena com uma supostamente permanente trama golpista que justificaria uma atuação judicial de exceção e de outro se nega peremptoriamente qualquer tentação antidemocrática e se considera ato de perseguição qualquer decisão judicial desfavorável”.
Para que a CPI seja efetivada, é necessário que 27 senadores assinem seu requerimento. Em nosso entender, essa iniciativa difere na forma e no conteúdo da pauta fake de “impeachment de Alexandre de Moraes” que o bolsonarismo tem levado ao público unicamente para criar narrativa política-eleitoral e de engajamento.
Como mostramos no artigo A Pauta Fake do Impeachment de Alexandre de Moraes e As Expectativas Políticas Desta Semana, a pauta do impeachment é uma pauta fake por que Jair Bolsonaro já deixou claro para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir que não existe qualquer interesse seu em articular concretamente em favor dessa pauta no Senado Federal.
A pauta é fake por que não se trata de uma possibilidade política material e concreta que envolva forças políticas reais capazes de empreendê-la. Trata-se tão somente de um gatilho narrativo conveniente para manter sua base eleitoral mobilizada, visando reobter sua elegibilidade para concorrer novamente nas próximas eleições presidenciais.
A iniciativa do senador Alessandro Vieira difere em conteúdo e forma da “vibe” bolsonarista sobre o tema pelo histórico do senador: Alessandro Vieira foi um dos senadores que integrou o grupo Muda Senado, junto com o falecido senador Major Olímpio, no início do Governo Bolsonaro e esteve na linha de frente pela CPI da Lava Toga.
Como é sabido, tanto a CPI Lava Toga quanto o grupo Muda Senado foram dizimados em 2019 por ordem do então presidente Jair Bolsonaro.
Esta proposta de CPI, pela forma e conteúdo e objeto de investigação muito bem definido, poderá ter uma percepção diferente entre os demais senadores pois poderá ajudar a elucidar o papel desempenhado pelo Chefe do Executivo na época da instalação desses inquéritos, nos termos que delineamos mais acima.
Por fim, há o fato óbvio de que o senador Alessandro Vieira não é parte interessada, no sentido de que ele não é, até onde sabemos, alvo de investigação nem foi alvo de diligências empreendidas no âmbito desses inquéritos e muito menos está com sua elegibilidade em questão, de modo que não há conflito de interesses envolvidos em sua iniciativa institucional.
Por fim, entendemos que faz muito mais sentido acompanhar a evolução desta iniciativa do que alimentar expectativas fantasiosas em torno de pautas fakes como a do impeachment, que não possui exequibilidade política alguma e serve apenas para alimentar o modus operandi de manipulação permanente de sua base empreendida pelo bolsonarismo.
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