Petistas e bolsonaristas celebram juntos a cassação do mandato de Deltan Dallagnol que assemelhou-se à materialização da noção fictícia de pré-crime ou crime futuro, presente no filme Minority Report.
por paulo eneas
O Tribunal Superior Eleitoral cassou por unanimidade na noite desta terça-feira (16/05) o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), atendendo pedido formulado pelo PT e demais partidos de esquerda que acusaram o ex-procurador de suposta fraude na Lei da Ficha Limpa.
O ex-procurador e agora ex-deputado federal Deltan Dallagnol foi um dos expoentes da Força-Tarefa do Ministério Público Federal que atuava na antiga Operação Lava-Jato, que foi extinta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
De viés político claramente progressista, o então procurador Deltan Dallagnol ganhou projeção nacional, assim como o ex-juiz Sérgio Moro, na atuação na Lava-Jato. A entrada de ambos para a política seria questão de tempo, conforme antecipávamos em nossas redes já desde antes do auge daquela que foi a mais bem-sucedida operação de combate aos crime de corrupção.
Nas eleições do ano passado, Deltan Dallagnol foi eleito deputado federal com 344 mil votos pelo Paraná, o mesmo Estado pelo qual Sérgio Moro foi eleito senador. Iniciada nova legislatura, petistas e demais partidos de esquerda entraram com ação na Justiça Eleitoral do Paraná pedindo a cassação mandato do ex-procurador, ação esta que foi rejeitada.
Estes partido recorreram então à instância superior e no julgamento da ação pelo pleno do Tribunal Superior Eleitoral, Deltan Dallagnol foi condenado à perda de seu mandato de deputado federal por ter supostamente infringido a Lei da Ficha Limpa.
No entender da corte, o ex-procurador agiu com suposta intenção de infringimento da lei por ter se afastado do Ministério Público Federal antes da conclusão de um processo administrativo disciplinar daquele órgão que poderia, ou não, resultar numa condenação administrativo-burocrática futura.
Basicamente, o ex-procurador Deltan Dallagnol foi condenado pela Justiça Eleitoral a perda de seu mandato por conta de uma uma suposta infração que poderia hipoteticamente ocorrer no futuro. É como se o noção fictícia de pré-crime presente no filme Minority Report tivesse se tornado realidade. O próprio relator do processo confirma essa noção de hipotética infração futura, ao afirmar em seu voto (grifo nosso):
“A partir do momento em que [Deltan Dallagnol] foi apenado com advertência e censura, não há dúvida de que elas passariam a ser consideradas em PADs [processos administrativos disciplinares] de outras infrações disciplinares, aproximando da pena de demissão [do cargo de procurador, o que o inabilitaria para disputa eleitoral]”.
O Tribunal Superior Eleitoral decidiu por unanimidade pela cassação. Dos sete ministros que votaram, três foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro: Sérgio Banhos, nomeado em 2019. Kassio Nunes Marques, indicado em 2020. E Carlos Horbach, indicado em 2021.
Cassação é celebrada por petistas e bolsonaristas por razões distintas
A punição imposta ao agora ex-deputado Deltan Dallagnol envia uma mensagem clara para o opinião pública e para os políticos: os agentes públicos que estiveram à frente da extinta Operação Lava-Jato poderão todos eles sofrer alguma represália, independentemente da cor ideológica de cada um desses agentes.
Como era de se esperar, os petistas e o núcleo duro do establishment político, na figura de políticos como o senador Renan Calheiros(MDB-AL), celebraram a cassação do mandato do ex-procurador. O ministro da Justiça, Flavio Dino, fez publicação efusiva celebrando o fato.
Uma ala dos bolsonaristas também está celebrando o ocaso do ex-procurador da Lava-Jato. Esta ala é formada pelo segmento que enxerga como inimigo qualquer figura política não-petista que não esteja sob o guarda-chuva e sob as rédeas curtas do briefing bolsonarista.
É fato que Deltan Dallagnol nunca colocou-se como sendo de direita. O ex-procurador é um progressista assumido que se orienta pelo politicamente correto, e várias vezes procurou adular o sistema político na expectativa de ser aceito e reconhecido pelo establishment político. Da mesma forma como fez Jair Bolsonaro em várias oportunidades.
Isto posto, em nosso entender não há o que comemorar na cassação do mandato de Deltan Dallagnol, ainda que discordemos enfaticamente de suas concepções políticas progressistas. Pois o que está em jogo nessa cassação vai mundo além, e envolve segurança e higidez das normas jurídicas vigentes no país e da forma como elas são aplicadas.
Neste sentido, bolsonaristas erram miseravelmente ao irmanarem-se com os petistas na celebração deste episódio. Cabe agora à Câmara dos Deputados, por meio de pressão a ser exercida sobre seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), tomar uma iniciativa a respeito desta cassação, considerando a filigrana jurídica que foi usada pela justiça eleitoral. Uma filigrana que poderá abrir o precedente para doravante vulnerabilizar ainda mais os mandatos de todos os parlamentares.