por paulo eneas
Nos últimos dias o Congresso Nacional foi tomado por uma onda independentista no que diz respeito à relação entre os três poderes da República, onda esta que tem sido uma das pautas preferenciais da imprensa e de comentadores de redes sociais.

Esta foi reforçada pela apresentação de uma proposta de emenda constitucional que procura limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal, possibilitando ao Legislativo anular decisões da suprema corte se os parlamentares entenderem que tais decisões estão fora do escopo das suas atribuições constitucionais.

Também passou-se a discutir nesses dias a proposta de mandato fixo para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, esse mandato é vitalício, com aposentadoria compulsória aos setenta e cinco anos.

A onda ganhou drive com a aprovação esta semana, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de um projeto de lei que impõe normais mais restritivas para decisões monocráticas dos tribunais superiores, como mostramos em nossa reportagem Comissão do Senado Aprova PEC Que Limita Decisões Monocráticas nos Tribunais Superiores, publicada esta semana.

É como se num repente ou num rasgo de visão quase transcendental, os parlamentares começassem a identificar somente agora o problema da disfuncionalidade institucional nas relações entre poderes, como se esta disfuncionalidade tivesse surgido somente agora.

Mas é sabido que tal disfuncionalidade ocorre há anos, e foi acentuada nos quatro anos do Governo Bolsonaro por conta da inexistência da figura institucional do Chefe de Estado durante este período, visto que o ex-presidente nunca foi capaz de compreender o significado do cargo que ocupava e nunca demonstrou capacidade para exercê-lo a contento.

Discursos enfáticos falando da necessidade de preservar as prerrogativas do Poder Legislativo tomaram conta das redes e das redações nos últimos dias. Até mesmo o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) deu declarações “corajosas” (ou seja, um pouco menos ensaboadas que o habitual) sobre o tema.

Na terça-feira (04/10) foi a vez de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados também “erguer o tom” no que diz respeito à delimitação clara das atribuições e prerrogativas do Congresso Nacional em relação a atuação do Poder Judiciário.

É evidente que esta movimentação repentina seduziu os bolsonaristas, que formam a direita nominal no Congresso Nacional, ainda que esta direita nominal venha invariavelmente votando a favor de quase todas as pautas importantes do governo petista.

Um clima de “agora vai” tomou conta das redes sociais, gerando novamente aquelas hypes emotivas que prenunciam vitórias imaginárias, que o bolsonarismo sempre empregou como técnica manipulatória para cativar sua base.

Mas será se “agora vai” mesmo?
O que na verdade está ocorrendo é um jogo político que envolve o interesse do governo petista no controle das mesas diretoras das duas casas do Congresso Nacional. O grupo político formado pelos senadores Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e David Alcolumbre (União-AP) possui um acordo tácito de permanecer no controle da mesa do Senado Federal por meio do revezamento entre ambos.

Ocorre que o governo petista, que num primeiro momento aceitou tacitamente esse acordo ao apoiar a reeleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado no início desse ano, impondo uma derrota a Rogério Marinho (PL-RN), o candidato bolsonarista da suposta direita, começa a rever a decisão de manter esse acordo tácito, e cogita ter nome próprio governista para o comando da casa.

Diante da possibilidade de ter o governo como antagonista na próxima disputa da mesa diretora do Senado, o grupo político de Pacheco e Alcolumbre decidiu fazer um aceno à direita nominal trazendo uma pauta que lhe agrada. Esta pauta, que envolve justamente o Judiciário, poderá ser usada como instrumento de barganha por esse grupo nas suas tratativas com o governo petista.

Qual será o desfecho? Consideramos duas possibilidades. Se a pauta ora em discussão expressar uma preocupação verdadeira com a disfuncionalidade nas relações entre os poderes institucionais, as medidas que estão sendo aventadas poderão ser aprovadas em prazo relativamente curto, de cerca de dois meses aproximadamente.

Se, no entanto, tratar-se apenas de uma barganha visando o controle da mesa diretora do Senado, esta pauta continuará nas redes sociais e na imprensa, mas irá sendo cozinhada aos poucos ao menos até meados do ano que vem, até que o governo e o grupo político que atualmente controla a mesa do Senado cheguem a um entendimento, caso cheguem. Se chegarem, a pauta e a direita nominal serão descartadas.

Tanto num caso como em outro, a direita nominal no Congresso Nacional será apenas coadjuvante do processo, ainda que em suas hypes emotivas nas redes sociais ela continue se apresentando como protagonista de um processo político sobre o qual ela nunca teve controle algum.


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