Uma consideração preliminar e não conclusiva sobre os principais desafios da direita no momento: formular uma plataforma política, buscar uma estrutura partidária própria, definir sua real identidade ideológica, compreender a necessidade de voltar-se para a base e buscar construir um Projeto de Nação.
por paulo eneas
A direita vive hoje uma crise de identidade, uma vez que o movimento existente até há alguns, surgido no início do século como movimento cultural inspirado em grande parte pela influência do professor Olavo de Carvalho, conforme estamos mostrando em nossa série de vídeos História Política Recente do Brasil, que caracterizava-se pela defesa de pautas políticas e ideológicas, pela crítica enfática ao establishment político e pelo esforço de definir projetos para o País, passou por uma metamorfose para tornar-se um movimento com características distintas.
Na atual “direita” brasileira, que só pode ser assim chamada por concessão de linguagem, não há qualquer preocupação com a formulação de uma plataforma política programática. Existe zero interesse na organização de uma estrutura partidária própria. A formação de sua militância, que a rigor não é uma militância mas uma rede ativistas em rede social, tornou-se um não-assunto.
Essa nova “direita” nacional incorporou plenamente diversas pautas progressistas e identitárias, que quando muito são criticadas tão somente para gerar engajamento de políticos eleitos nessa direita. Essa direita deixou de lado qualquer preocupação com corrupção ou suspeitas de corrupção de agentes públicos, especialmente quando estes agentes são dos seus.
Essa nova direita do início desta década faz uma leitura, isso quando faz, esquemática e simplista do cenário geopolítico, o que a tornou alvo fácil da propaganda russa e desta forma coloca-se, junto com a esquerda, no campo de interesses estratégicos do bloco russo-chinês, que é o mesmo campo de interesses do Foro de São Paulo.
Essa direita nacional da década de vinte deste século tornou-se permeável ao antiamericanismo, abraça teses requentadas do terceiro-mundismo criado e implementado pelos soviéticos das eras de Nikita Khrushchov e de Leonid Brejnev. Não foi capaz até agora de elaborar um projeto de Nação e a maior parte de seus agentes aspira integrar-se ao establishment político e adequar-se a ele.
O cenário é desalentador, pois nenhum movimento político subsiste sem uma plataforma política e uma identidade ideológica claras, sem um conjunto de valores e princípios éticos que formem a base moral comum de seus integrantes, que formem um sentido de pertencimento entre seus membros.
Um movimento que gira apenas em torno de suas figuras públicas, invariavelmente inquestionáveis independentemente de suas ações ou ausência delas, não conseguirá formar a densidade de cultura política crítica necessária para formular um Projeto de Nação e efetivamente colocar-se como alternativa de poder para o país.
O que precisa ser feito
Para começar a reverter esse cenário, é necessário que os indivíduos, sejam eles figuras públicas ou não, que se coloquem no campo da autêntica direita comecem antes de mais nada a formular uma plataforma política básica. Os pontos específicos dessa plataforma merecem um texto à parte, mas as premissas fundamentais devem ser as seguintes:
a) Uma plataforma inequivocamente de direita e viés conservador que tenha como norte a tolerância zero com qualquer tipo de corrupção.
b) Soberanista, com a defesa da soberania nacional do Brasil manifesta em um claro Projeto de Nação que reafirme seu pertencimento à tradição da Civilização Ocidental.
c) Rechaço enfático e nenhuma concessão às agendas dos projetos autoritários, sejam eles dos globalistas ocidentais, da esquerda clássica (inclusive aquela que encampa o discurso nacionalista como verniz) ou da esquerda identitária, sejam eles os projetos do bloco russo-chinês
d) Uma direita que tenha na formação de uma estrutura partidária própria a sua prioridade inicial, juntamente com a formação de uma militância treinada e preparada para embates políticos reais, e não apenas para embates imaginários em rede social.
e) Uma direita que entenda que a ação política efetiva começa por um trabalho de base, junto à população real de carne e osso (e não “seguidores”) e que consiga externar no seu discurso os problemas reais dessa população, tendo claro que estes problemas nem sempre terão uma expressão ideológica óbvia.
A importância das eleições municipais
Esta plataforma política deve servir de pano de fundo para, juntamente com as demandas locais de cada cidade, formatar o discurso da direita nas eleições municipais do ano que vem. Não faz sentido se pensar em projeto de poder político em nível nacional sem antes se construir uma sólida base política de prefeitos e vereadores alinhados com este projeto.
Esta ausência de preocupação tanto com as eleições municipais quanto com a organização de uma estrutura partidária própria marcou a experiência política desastrosa da direita em 2020, e que de certa forma antecipou o que viria a acontecer nas eleições presidenciais de dois anos depois, que trouxeram os petistas de volta à Presidência da República.
O lugar do Brasil no mundo
Por fim, nenhum projeto político robusto pode deixar de lado a questão geopolítica que pode ser entendida como resposta à seguinte pergunta: qual nosso lugar e nosso papel no mundo? O Brasil possui a tradição de defesa de paz e esta deve ser preservada. Em geral nos mantemos neutros diante de conflitos internacionais, no sentido de não haver envolvimento direto do Brasil nesses conflitos.
Mas como observa corretamente o ministro Ernesto Araújo, neutralidade não é o mesmo que indiferença. Precisamos deixar claro diante de cada conflito internacional de que lado estamos, deixando claro que nossa neutralidade na dimensão bélica de um conflito não expressa de modo algum indiferença da parte do Brasil em relação ao que está efetivamente em disputa.
Pois a escolha de um lado significa entender que no mundo contemporâneo cada conflito importante não se resume a uma “disputa entre blocos geopolíticos” (uma leitura superficial errada que muitos fazem), mas sim uma disputa entre de um lado projetos totalitários, que estão presentes em todos os blocos geopolíticos, e de outro lado aqueles que querem preservar a democracia, a liberdade, a soberania, o regime de mercado, e o princípio da auto-determinação dos povos.
A elaboração de um projeto de direita baseado na óbvia necessidade de uma plataforma política, de um Projeto de Nação e de uma estrutura partidária efetiva que agregue e auxilie na formação de uma real militância política demandará um esforço adicional por parte daqueles que abraçarem este projeto.
Este esforço necessário decorre do fato de que o segmento majoritário da reduzida intelectualidade de direita brasileira está hoje muito mais empenhado em normalizar o status quo em que a direita hegemonizada pelo bolsonarismo se encontra atualmente, do que em dedicar-se na formação de uma autêntica direita nacional.