por paulo eneas
O embate travado desde o início do ano entre bolsonaristas e petistas para a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional sobre os eventos que culminaram nas invasões de prédios públicos federais no dia oito de janeiro é um embate puramente retórico e midiático, pois nem bolsonaristas nem petistas estão realmente interessados na elucidação destes episódios.
Esta é a avaliação que tem sido feita por algumas de nossas fontes em Brasília, por meio da observação da real movimentação de bastidores que tem sido feita em torno da proposta da CPMI de 8 de Janeiro, movimentação esta que é bem diferente dos discursos para a mídia e das publicações em rede social destinadas a gerar engajamento.
Esta proposta de CPMI do Oito de Janeiro tornou-se uma típica pauta-cabo-de-guerra, no dizer de um arguto leitor nosso: o tipo de pauta onde cada lado puxa numa direção para manter-se em evidência midiática, mas as coisas permanecem basicamente no mesmo lugar e ambos os lados saem beneficiados com a exposição.
A razão deste novo teatro das tesouras é que tanto petistas quanto bolsonaristas sabiam desde o ano passado que rigorosamente nada iria acontecer para alterar o rumo dos acontecimentos: ambos sabiam que o petista Lula iria tomar posse e iniciar um novo governo, como de fato o fez. A hipótese de uma disruptura institucional nunca existiu no mundo das possibilidades reais, e ambos lados estavam cientes disso.
Mas era conveniente a ambos os lados, por razões distintas, que tal hipótese puramente imaginária fosse alimentada. Pois tanto petistas quanto bolsonaristas, bem como todo o establishment político, incluindo alas da inteligência militar, tinham uma apreciação e interesses políticos distintos naquelas mobilizações que tiveram início após o segundo turno das eleições do ano passado e que culminaram nos eventos de oito de janeiro.
Do lado bolsonarista, as mobilizações interessavam para manter ou mesmo ampliar o capital político-eleitoral de Jair Bolsonaro, cujo silêncio oportunista e irresponsável após a proclamação oficial dos resultados do segundo turno foi providencial para gerar tais mobilizações: um silêncio que foi interpretado por seus agentes desinformantes, também chamados de influenciadores digitais nas redes sociais e comentaristas de emissora de rádio, como sendo um chamado.
Do lado petista, aquelas mobilizações contestando o resultado das eleições davam a oportunidade política ímpar de impingir a pecha de golpista a toda à direita e desta forma desqualificar essa direita como agente político de oposição ao futuro governo petista.
De certa forma, ambos os lados foram bem-sucedidos em seu intento. As mobilizações deram a Bolsonaro a blindagem político-midiática necessária junto à sua base para ele fugir do País abandonando a Presidência da República sem ser muito cobrado por isso. Afinal teria sido uma “fuga tática” em meio ao “evento glorioso” que estava por vir, teriam avaliado os manifestantes.
Até mesmo o fato de Jair Bolsonaro ter feito uma gentileza aos petistas, revogando a portaria de seu próprio governo emitida na época do chanceler Ernesto Araújo, proibindo a entrada no Brasil do ditador venezuelano Nicolás Maduro, foi ignorada pela sua base mobilizada, tamanha a blindagem política conseguida. Nenhum influenciador digital bolsonarista ou comentarista político falou mais sobre a gentileza que Bolsonaro fez a Lula e ao ditador Maduro.
Observe-se que esta gentileza foi retribuída cerca de um mês depois pelo próprio petista Lula, que assinou medida presidencial autorizando a prorrogação da estadia em Orlando, Florida, dos servidores públicos federais que acompanharam Jair Bolsonaro em sua “fuga tática”.
O fato é que o staff bolsonarista e os petistas atingiram seus objetivos com as mobilizações em Brasília no pós-segundo turno eleitoral do ano passado. Os únicos perdedores desses episódios foi a massa de manobra e os inocentes úteis manipulados nessa operação de guerra psicológica que resultou na prisão de mais de mil pessoas e que poderá acarretar em penas de vários anos de prisão para muitos deles.
Por ironia ou mazela do destino, muitos destes manifestantes presos respondem ou responderão com base na lei que veio substituir a antiga Lei de Segurança Nacional, lei esta sancionada pelo então presidente Bolsonaro.
Desde sua fuga e mesmo após seu retorno ao Brasil, Jair Bolsonaro não tomou qualquer iniciativa para oferecer amparo na forma da lei àquelas pessoas presas. Nas poucas vezes em que manifestou-se sobre o tema, foi para esquivar-se de qualquer responsabilidade e acentuar a culpabilidade atribuída àquelas pessoas.
As manifestações pós segundo turno eleitoral e os eventos de oito de janeiro que delas decorreram tornar-se-ão um estudo de caso de operações psicológicas e de manipulação de massas bem-sucedidas. Esses episódios também serviram para revelar de maneira trágica e cristalina a nova estratégia das tesouras inaugurada pelo petismo e bolsonarismo.
Por esta razão, é pouco provável que a CPMI do Oito de Janeiro venha a progredir e, na hipótese de a comissão ser instalada, a bancada bolsonarista já demonstrou durante os depoimentos recentes do ministro da Justiça, Flávio Dino, na Câmara dos Deputados, não ter a mínima qualificação e preparo para embates políticos dessa natureza.
Não será surpresa se caso a comissão venha a ser instalada, ao fim e ao cabo chegar-se à conclusão de que os únicos culpados pelos episódios de oito de janeiro tenham sido as pessoas presas que foram manipuladas pelo bolsonarismo.
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