por paulo eneas
A ideia de que existiria uma ousadia nos canalhas, e que esta ousadia deveria ser copiada e imitada pelas pessoas decentes, está entre aquelas ideias estúpidas que ganham vida por que alguém famoso a proferiu, e por conta disso foi aceita como verdade inquestionável.
Oras, canalhas não são ousados, são apenas canalhas, cujas canalhices não encontram freio moral de nenhum tipo, principalmente quando a canalhice diz respeito ao trato da coisa pública e à atividade política. Não há por que uma pessoa decente espelhar-se na conduta de um canalha para alcançar seu intento.
Essa deformidade moral que consegue ver uma suposta virtude na canalhice ousada nasceu em cima de considerações sobre o sistema político e traz implícita a ideia de que o sistema político seria um dado da natureza, esquecendo que ele é uma criação humana.
E sendo uma criação humana, o que se precisa não é da suposta ousadia dos canalhas, pois esta apenas acentua os vícios desse sistema. O que a sociedade brasileira necessita é da hombridade e coragem das pessoas decentes para combater os vícios do sistema e reforma-lo no que for necessário.
E como fazer para reformar o sistema de modo que este, materializado nas instituições de Estado, venha a servir a sociedade e não servir-se dela? Que se faça o Teste do Sofá 2.0: existem no Brasil pessoas que se eleitas ou ocupando cargo público de relevância, recusariam uma mala de dinheiro? Estou convencido que sim, pois ao contrário do que diz o falacioso ditador popular, não é verdade que “todo homem tem seu preço”.
Muitos homens, e mulheres, têm seu preço. Mas muitos não significa todos, e existe uma minoria que tem valor, que nenhum preço paga. Abraham Weintraub aceitaria uma mala de dinheiro? Ernesto Araújo, Arthur Weintraub e Victor Metta aceitariam? Não tenho procuração para falar em nome de nenhum desses senhores, mas tenho certeza que não.
E justamente por não aceitarem, ainda que figurativamente falando, uma mala de dinheiro, estas pessoas foram banidos do antigo governo. Agora pergunto: qual deputag atualmente em exercício de mandato não aceitaria uma mala de dinheiro, ainda que “figurativamente falando”?
Portanto, nosso grande problema nacional não foi nem é essa abstração que chamam de “sistema”, percebido como um dado da natureza como a lei da gravidade, contra a qual nada pode ser feito. Essa imagem é rigorosamente falsa e enganadora.
Nosso grande problema nacional é que no período recente, não fosse a índole de Jair Bolsonaro, que na presidência revelou-se ser quem de fato ele é, pessoas como Abraham Weintraub, Arthur Weintraub, Ernesto Araújo, Victor Metta, Leticia Catel, Otavio Fakhoury, Marcio Labre, e outras pessoas igualmente decentes que estavam com Jair Bolsonaro desde o começo teriam tido respaldo do então presidente para fazer o que precisasse ser feito para agregar mais pessoas de valor em torno de um Projeto de Nação.
E estas pessoas estariam hoje na liderança do país, que poderia estar indo numa direção muito diferente da direção que tomou ainda sob o governo Bolsonaro e que está sendo continuada e aprofundada sob o Governo Lula.
Ou seja, a experiência do bolsonarismo mostrou que não havia Projeto de Nação algum, mas tão somente a repetição, sob uma roupagem discursiva nova, da velha fórmula consagrada pelo establishment político de ocupar posições no sistema para dele extrair o máximo de vantagens, ainda que estas estejam dentro da lei.
Por esta razão não endosso de forma alguma a falsa ideia amplamente disseminada na direita de que existe um “sistema” contra o qual nada se pode fazer, restando ao agente público apenas sujar as mãos, vender sua opinião, sua consciência e sua alma. Isso é desculpa esfarrapada de quem está pronto para se corromper, e está apenas aguardando a melhor oferta.
Essa ideia da inelutabilidade do sistema corresponde também a uma visão apocalítica tosca e ignorante que desconhece processos e o papel da liderança em qualquer processo político ou mesmo no setor privado.
Façamos um paralelo com empresas: pegue uma empresa ruim, quase quebrando, e coloque na sua direção um CEO competente e capaz, hábil na liderança de equipes cioso de que liderança se consolida por meio do exercício da autoridade e também por meio de exemplos. A empresa pode virar o jogo e passar a ser lucrativa, podendo tornar-se até mesmo um “case” ou benchmark de seu segmento.
Por outro lado, consideremos agora uma empresa de boa saúde financeira, bem posicionada no mercado, com tudo azeitado e andando bem. Coloque na sua direção um CEO incompetente e despreparado, o exato oposto do exemplo anterior. Ele irá destruir esta empresa em dois tempos.
Por isso eu discordo veementemente desta ideia adolescente revolts de que o problema é “o sistema”. Não, o problema não é o sistema. O problema são os canalhas ousados que ocupam o sistema e dele se beneficiam. O sistema vai ser aquilo que as pessoas fazem dele: se forem canalhas, o sistema será canalha. Se forem decentes, podemos esperar que o sistema, ou seja, as instituições de Estado, venha a ser aquilo que achamos que ele deve ser.
No caso de nossa experiência recente no poder, o professor Olavo de Carvalho falava de cereja do bolo e todos entenderam a analogia. Mas aqui infelizmente o saudoso professor enganou-se. O nosso problema é que a cereja era podre e não sabíamos. Mesmo que o bolo fosse hipoteticamente bom, ele iria ser estragado por que nós colocamos no topo da cobertura uma cereja podre, uma cereja dotada da ousadia covarde dos canalhas.