Advogada analisa as contradições existentes entre o disposto no PL2630 e os dispositivos constitucionais em vigor que versam sobre o exercício da liberdade.


por isaura meira cartaxo de farias
Muito se discute a respeito do Projeto de Lei 2630/2020, a lei das Fake News, uns a favor por sua implementação por entender os perigos do discurso de ódio ou disseminação de notícias falsas, outros são absolutamente contra por violação de Direitos Naturais e Constitucionais entre outros.

Em suas primeiras linhas, já são sinalizadas as bases e prerrogativas para demonstrar que o PL da Fake News ou PL2630/2020 pretende defender: “a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.

Antes de iniciarmos nossa reflexão a respeito do PL2630/2020, é necessário entender filosoficamente o que significa o conceito de Liberdade, segundo o filósofo Aristóteles está baseada na possibilidade de realizar escolhas orientadas pela vontade.

Mas, e juridicamente? Qual seria um conceito adequado para este princípio basilar? A Liberdade seria a capacidade de fazer e não fazer tudo o que seja licitamente permitido, constituindo o direito de toda pessoa de organizar, de acordo com a lei, sua vida individual e social em consonância com suas opções, convicções ou vontades.

A nossa Constituição Federal de 1988 no tópico Princípios Fundamentais que regem os Direitos e Garantias Fundamentais em seu Artigo 5º, define que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…). É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Esse mesmo dispositivo estabelece uma “cláusula geral” que, assegura a liberdade de expressão nas suas diferentes áreas, como: liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião); liberdade de expressão artística; liberdade de ensino e pesquisa; liberdade de comunicação e de informação (liberdade de “imprensa”), liberdade de expressão religiosa.

Dentre os direitos presentes no gênero liberdade de expressão podemos mencionar a liberdade de manifestação de pensamento; de comunicação; de informação; de acesso à informação; de opinião; de imprensa, de mídia, de divulgação e de radiodifusão.

A liberdade de expressão é garantida no Artigo 5º da Constituição Federal, que diz que “é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”, e no art. 220 que veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Nesse sentido, o PL 2630/2020 em seu artigo 1º afirma que vem garantir a ampla liberdade de expressão e comunicação e expressão de pensamento, através de um mecanismo de “boas práticas” no combate ao “comportamento inautêntico”, assim:

“Art. 1º Esta Lei, denominada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento”.

Contraditoriamente, a referida Lei ao regular a Liberdade de Expressão, de comunicação e pensamento em seu artigo 3º, expressamente pauta pelos princípios: da liberdade de expressão e de imprensa; garantia dos direitos de personalidade, da dignidade, da honra e da privacidade do indivíduo; respeito ao usuário em sua livre formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal; responsabilidade compartilhada pela preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática; garantia da confiabilidade e da integridade dos sistemas informacionais; promoção do acesso ao conhecimento na condução dos assuntos de interesse público.

Ora, o PL2630/2020, paradoxalmente aos princípios constitucionais da Liberdade, ainda tem por objetivos em seu artigo 4º, fortalecer o processo democrático por meio do combate ao “comportamento inautêntico” e a moderação do conteúdo postado na Internet. Parece ilógico, incoerente ter uma Lei baseada em princípios constitucionais, expressamente mencionados como a Liberdade e utilizar da moderação, regulação, limitação de número de encaminhamentos.

Elaboração de códigos de conduta para redes sociais e serviços de mensageria privada no uso da plataforma por terceiros são absolutamente incoerentes com o disposto no Artigo 220 da CF/88: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição“,  assim como o disposto, na Carta Magna de 1988,  Artigo 5º, parágrafo IV:  “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Vale a pena ressaltar, o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando afirma: “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Como também dispõe o Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. Artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

Ainda o artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.

A Constituição Brasileira em seu Artigo 22 também informa: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; […] § 2o: é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Portanto, é incompatível, incoerente e ilógico com os princípios constitucionais apresentados acima com as práticas apresentadas no PL2630/2020 quando literalmente busca regular, desabilitar, limitar, banir, vedar conteúdos privados ou publicitários nas redes sociais e mensageria privada com base em um código de conduta por uma entidade de autorregulação certificada pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet.

O duplipensar foi muito bem elaborado nesse projeto de Lei, ora, duas ideias ou crenças contraditórias, como a (Liberdade e o controle) incompatíveis uma com a outra para fazer levar a pessoa a acreditar em ambas.

Dra. Isaura Meira Cartaxo de Farias é advogada (OAB/PB 14.658), Graduada no Centro Universitário de João Pessoa (UNiPÊ), graduanda no curso de pedagogia na Universidade Única e Palestrante Pró-vida. Artigo publicado originalmente no site Jusbrasil.

Disclaimer: os artigos assinados por colaboradores ou convidados refletem a opinião do autor, e não necessariamente o posicionamento editorial do Inteligência Analítica.


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