por rodriggo morais
“O método supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar.”
Sun Tzu
Existem duas posturas principais no país acerca dos militares. A primeira, por parte da esquerda, é uma histeria baseada em um “trauma retardatário” de uma ditadura militar que terminou há quarenta anos. Essas pessoas revivem imaginativamente um passado que a maioria não viveu, mas que foi formado a partir da produção cultural que reagiu e foi perseguida pelos órgãos de repressão naquela época. Essa postura produz o medo histérico.
A segunda, por parte da nova direita ideológica, ampliam para a área da política e até da arte da guerra os ataques de Olavo de Carvalho, para quem os militares são “burros”, “despreparados”, “ignorantes”. É a postura que produz a subestima, o desdém.
Ambas posturas obscurecem a compreensão da conjuntura política imposta no país nos últimos anos, fazendo até mais mal à análise do que a visão romantizada e infantil do tipo “tarados por coturnos”, os intervencionistas, para quem os militares são uma estirpe superior de patriotas disciplinados a serviço do Brasil, os salvadores da pátria.
Posicionar a ação política dos militares nos últimos dez anos é a tarefa de navegar por entre nuvens de fumaça, jogos das sombras e desinformações. Isso porque, apesar da percepção (correta, na maioria dos casos) de que deixam a desejar nos quesitos da política eleitoral e gestão pública, estes agentes militares se tornaram uma força de modelamento nacional supra-política, transformando o Brasil num laboratório das mais avançadas técnicas da chamada guerra de quinta geração, ou guerra híbrida.
Andrew Korybko define a guerra híbrida como “a combinação entre revoluções coloridas e guerras não convencionais”, ou seja, de operações políticas de desestabilização de governos e de operações psicológicas via redes sociais para o sequestro de mentes por meio de modulações cognitivas.
Aqui, ela busca uma “dominação de espectro total” (W. Engdahl) por meio de uma “cismogênese” (P. Leirner), suscitada pela manipulação de “medos antropológicos” operados no seio da sociedade brasileira, dividindo-a artificialmente entre direita vs. esquerda, fascistas vs. comunistas, etc.
A versão brasileira teve seu clímax em 2018, na eleição de Bolsonaro, e, no domingo de 08 de janeiro, assistimos ao início de uma nova fase neste processo imposto no Brasil pelo grupo a quem eu chamo de “partido militar”, um ninho de conspiradores no coração das nossas Forças Armadas. Esta operação mais recente teve como principal objetivo descolar a imagem de Bolsonaro da imagem dos militares.
Nos últimos quatro anos, Jair Bolsonaro, eleito no bojo deste mesmo processo de guerra híbrida, deu total protagonismo aos militares. Eles ocuparam os cargos mais importantes e dirigiram as principais políticas públicas do governo. Saúde, relações internacionais, infra-estrutura, etc. Agora, diante da derrota eleitoral sofrida, esses mesmos agentes do caos iniciaram diversas ações táticas de guerra psicológica, sendo a principal delas a invasão deste domingo.
Ao contrário do que tenta fazer acreditar a imprensa, imaginar que Bolsonaro seja capaz de planejar e executar uma ação destas é um erro. Ele sempre foi um comandante sem estratégia, sem capacidade de avaliar cenários, sem objetivo claro e sem meios de ação. E as ações de mobilização planejadas pelo núcleo operacional de Bolsonaro, o chamado “gabinete do ódio”, não possuem o nível de elaboração e complexidade do Oito de Janeiro. O modus operandi do GDO é orientado à produção de “memes” (Maio de 2019, a Ema e a Cloroquina, a Seringa Gigante, etc), fruto da cabeça adolescente de Carluxo e seus jovens assessores.
De maneira oposta, o Oito de Janeiro foi uma invasão muito bem planejada e sem precedentes na história do Brasil. Aos acampados, naquele dia, se juntaram mais de 100 ônibus de todos os estados brasileiros. Anderson Torres havia deixado um subalterno encarregado da segurança em Brasília, enquanto viajava de “férias”.
O acordo prévio entre Dino e Ibanez de que os manifestantes não entrariam na Esplanada foi suplantado por um oficialzinho que acompanhava a marcha e resolveu dispensar o contingente policial que fazia a contenção na Esplanada. Imagens de policiais apoiando e até direcionando manifestantes para dentro dos prédios foram divulgadas pelos próprios manifestantes. Também não houve resistência do destacamento do Exército que guardava o Palácio.
Os mascarados que se antecipam às invasões parecem saber exatamente onde entrar e o que destruir ou levar, realizando tudo de forma cirúrgica, como se fossem agentes de inteligência, ao mesmo tempo em que se espalha nos grupos de WhatsApp bolsonaristas que estes seriam infiltrados esquerdistas. Os exemplos se multiplicam. Os próprios méritos da contenção e do fim da invasão foram entregues pela imprensa ao Exército. Tudo se procedeu como uma orquestra muito bem ensaiada e afinada.
Este primeiro objetivo, o de descolar a imagem das Forças Armadas da imagem de Bolsonaro, foi atingido com tal sucesso que o próprio Caetano Veloso, após os eventos, escreveu um tuite dizendo que os militares representam “ideias de hierarquia, respeito e sobriedade”, e que isso não teria nenhuma relação com estes bolsonaristas arruaceiros.
Some-se este tipo de reação como a de Caetano ao discurso do general Mourão no dia 31 de dezembro e o descolamento “militares x Bolsonaro” foi operado com louvor. Gradualmente, a baixa avaliação e as derrotas do governo Bolsonaro também não mais serão atribuídas aos militares.
Esse movimento que é chamado de “a nova direita brasileira” foi reduzido a um grupo de pessoas que sofreram ataques de operações psicológicas suficientes para produzir dissonância cognitiva coletiva, por meio de avalanches diárias de desinformações contraditórias, alarmantes e criadoras de sobressaltos, levando a uma total submissão da mente.
Essas pessoas, presas em grupos de WhatsApp, aceitam qualquer coisa, acreditam em qualquer coisa. E a celeuma social generalizada que ocorre no Brasil segue um dos conceitos mais importantes da guerra híbrida, a cismogênese, cujo tema é aprofundado pelo professor Piero Leirner no livro O Brasil no Espectro de Uma Guerra Híbrida.
Existiu também um segundo objetivo na invasão da Praça dos Três Poderes, o de desestabilizar o governo Lula, tensionando e o enfraquecendo. Lula venceu por meio de uma coalizão partidária muito pesada e o novo governo está começando de uma forma desencontrada, com fortes disputas internas sobre a condução desta “frente ampla”. Por outro lado, os militares voltaram à zona de conforto que estavam em 2013, voltaram às sombras. E como falta ao PT uma compreensão clara da complexidade deste tipo de ataque, o governo tende a ficar emparedado.
Se utilizando do elemento neocortical desta guerra civil híbrida, a facção militar – ou o “partido militar” – controla e/ou influencia os dois espectros ideológicos artificialmente introduzidos, direita e esquerda. Vejam que, imediatamente após a invasão, toda a esquerda começou a pedir repressão. Sim, a mesma esquerda que foi reprimida na ditadura militar, agora pede, em uníssono, por repressão aos bolsonaristas.
Para que, daqui a pouco, o governo Lula comece a ser acusado de ser uma ditadura comunista repressora nos grupos de zap bolsonaristas. Como se vê, o PT, submerso pelo identitarismo, revanchismo e histeria anti-golpe, ainda não tem condições de lutar contra isso. A própria batalha contra as fake news, inclusive, é um caminho errado (Allan dos Santos é só um paspalho!).
Além de que, obviamente, a repressão alimenta e mobiliza ainda mais os manifestantes. A partir de agora, essa horda de radicalizados sequelados será conduzida sub-repticiamente pelo partido militar sem que este precise se responsabilizar por qualquer resultado nefasto das suas ações táticas.
E estando integrada numa estratégia de guerra híbrida, fica óbvio que esse tipo de ação não vai parar. Terão outros objetivos, outros alvos. Este último foi apenas um aviso de que eles estão operantes. Logo começarão a atacar usinas de energia, refinarias, centros de abastecimento, etc.
E o “partido militar”, a partir das sombras, tende a intensificar esta guerra civil de natureza híbrida, mesmo que isso continue custando todas as vidas humanas perdidas, as mentes destruídas e a economia dilacerada.
Rodriggo Morais é estrategista eleitoral e um sertanejo cosmopolita com ascendente em escorpião.
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