O desfecho que está sendo desenhado para o embate de Elon Musk/X-Twitter com o judiciário brasileiro confirma o que antecipamos desde o começo: uma sucessão de erros táticos primários e premissas equivocadas sobre como os norte-americanos conduzem sua relações internacionais resultariam no fiasco da ambição dos bolsonaristas.


por paulo eneas
Em um desfecho que já havíamos antecipado que ocorreria desde o início do embate entre a plataforma de X-Twitter e o Judiciário brasileiro em 3 de abril desse ano, quando da publicação do documento Twitter Files, a empresa de Elon Musk anunciou na semana passada que atenderá todas as exigências impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, incluindo a nomeação de representante legal no Brasil e cumprimento de ordens de bloqueios de determinados perfis, em sua quase totalidade de bolsonaristas, incluindo parlamentares.

Após a anúncio da decisão da empresa, o magistrado impôs exigências adicionais, incluindo a obrigatoriedade da empresa comprovar a regularidade de sua situação cadastral junto a órgãos como a Receita Federal, Anatel e Banco Central, além de mandar determinar novas multas a serem aplicadas relativas aos períodos em que a empresa teria supostamente descumprido a determinação de bloqueio de determinados perfis.

Alexandre de Moraes determinou também à Polícia Federal que identifique usuários que supostamente tenham acessado à plataforma no período de bloqueio iniciado em 30 de agosto, para a aplicação das multas previstas.

O recuo de Elon Musk em seu embate com o judiciário brasileiro, e a imposição de novas exigências ao X-Twitter para voltar a operar no Brasil, representam uma derrota acachapante para os bolsonaristas que ensejaram esse embate a partir da publicação do documento Twitter Files, em 3 de abril desse ano.

O Inteligência Analítica havia antecipado esse desfecho desde aquela data, quando apontamos os erros primários de estratégia política que foram cometidos pelos bolsonaristas no approach da questão. O primeiro desse erros foi justamente terem levado o assunto aos Estados Unidos não pela via institucional, mas pela via política. Explicamos:

Os bolsonaristas fizeram lobby junto a Elon Musk e aos políticos republicanos, entre eles um deputado de origem brasileira que posteriormente teve seu mandato cassado pelo cometimento de crimes segundo a lei americana.

Por sua vez, Elon Musk é sabidamente engajado na campanha eleitoral de Donald Trump, o que tornou o assunto “judiciário brasileiro” uma pauta eleitoral da campanha republicana, e não um assunto institucional do Estado e do governo americano.

Donald Trump chegou a fazer publicações de sua campanha eleitoral exibindo imagem de Alexandre de Moraes afirmando que uma eventual vitória de Kamala Harris iria resultar numa situação institucional nos Estados Unidos semelhante àquela do Brasil. Além de ser uma fala mentirosa, a ação de Trump mostrou qual o real interesse dos republicanos no assunto: apenas mais uma pauta para sua campanha eleitoral.

Os Erros de Premissas dos Bolsonaristas
O lobby bolsonarista levou o assunto do judiciário brasileiro a Elon Musk e aos políticos republicanos partindo de uma premissa errada. E que premissa era esta? A premissa de que os americanos defendem a liberdade de expressão e são capazes de fazer de tudo para preservá-la. Isso é verdade sim mas, vírgula. Os americanos defendem a liberdade de expressão deles. Para defender a liberdade de expressão deles são capazes até mesmo de pegar em armas e fazer guerra civil.

A liberdade de expressão faz parte do conjunto de valores que guiam a vida dos americanos. Mas são valores que prezam e pelas quais lutam para a sociedade deles, a sociedade americana. Esses valores não guiam a política externa dos Estados Unidos, que é pautada não em valores americanos, mas em interesses americanos.

E que interesses são esses? Basicamente a homeland security, a segurança da população e a integridade territorial dos Estados Unidos e, derivado disso, os interesses econômicos na escala em que estes estejam associados à segurança nacional.

Percebam a distinção clara: uma coisa é aquilo que os americanos querem “para dentro”, para eles. Outra coisa é o que guia suas ações “para fora”. De um lado a maneira como os americanos escolheram viver entre si, de outro lado o que julgam necessário fazer externamente para continuar vivendo da maneira que escolheram.

Exemplos Concretos de Política Externa Americana
Os exemplos concretos da política externa americana corroboram o que dissemos acima: se os Estados Unidos conduzissem sua política externa segundo seus valores, conforme ingenuamente se acredita, jamais teriam na Arábia Saudita seu segundo aliado estratégico no Oriente Médio, depois do Estado de Israel.

Por que do ponto de vista dos valores americanos e ocidentais, como liberdade de expressão, devido processo legal, justiça e outros, regime da Arábia Saudita não é muito diferente do regime de ditadura teocrática do Irã, este sim um inimigo declarado do Ocidente e dos Estados Unidos. O Irã representa uma ameaça real aos interesses americanos, a Arábia Saudita não. E nenhum deles reproduz em suas sociedades e regimes de governo os valores americanos.

Veja-se o caso da Venezuela: Hugo Chávez pôde implantar sua ditadura em paz, sem ser incomodado pelos americanos, apesar de seus discursos antiamericanos inflamados, por que, como sabemos, em política o que menos importa são os discursos: importam as ações dos agentes. Durante todo o  período de Hugo Chávez a Venezuela nunca representou ameaça real aos interesses americanos.

Nos quatro anos do Governo Trump a ditadura venezuelana somente se fortaleceu. Os Estados Unidos somente começaram a se incomodar com o regime de ditadura venezuelana quando o Departamento de Justiça (DoJ) americano comprovou as ligações de Nicolás Maduro com o tráfico internacional de drogas, que é tratado como um problema de segurança nacional para os americanos.

Maduro passou então a ser considerado criminoso e procurado pela justiça americana por ser um traficante internacional de drogas que ameaça a segurança interna dos Estados Unidos com sua atividade criminosa, e não por que ele chefia um regime político que tirou a liberdade de expressão dos venezuelanos. Observem a diferença no que diz respeito às motivações.

Um último exemplo: os americanos protegem, até certo ponto, a ilha de Taiwan, não porque querem defender os habitantes da ilha do horror do regime chinês, garantindo a eles, os taiwaneses, o exercício pleno da liberdade de expressão, que não existe na China.

Os americanos protegem Taiwan por que ela representa um interesse estratégico dos Estados Unidos no segmento da indústria de produção de semicondutores, essenciais para as tecnologias modernas.

O próprio Donald Trump cometeu sincericídio idiota ao afirmar que se eleito, vai forçar a saída da indústria de semicondutores de Taiwan para trazê-la de volta ao território americano. Depois disso, os chineses poderão ocupar a ilha à vontade sem objeção alguma dos Estados Unidos, se comandos por Donald Trump.

Claro que a visão de Trump é torpe e medíocre pois ignora outros aspectos geopolíticos que também afetam materialmente os interesses dos Estados Unidos, razão pela qual ele possivelmente será derrotado nestas eleições. Mas é uma visão que, a despeito de sua crueza e mediocridade, espelha muito bem a realidade do que guia a política externa americana.

Nos anos noventa circularam ideias, principalmente durante a Era Bush, de que os americanos deveriam pautar suas ações externas visando difundir os valores americanos. Daí surgiu a noção de neoconservadores, ou neocons. Mas nada disso prosperou, exceto nos fóruns de bate-boca estéreis da internet, onde a crítica aos supostos neocons servia, e ainda serve até hoje, apenas de capa para retóricas antissemitas.

Mas e o Brasil? No caso brasileiro, o imbróglio entre Elon Musk e o judiciário brasileiro não afeta em nada os interesses americanos, ainda que esse imbróglio seja pautado em cima de temas que estão ligados aos valores americanos. Mas como já afirmamos, os valores americanos importam apenas aos americanos.

Nada vai mudar nas relações entre Brasil e Estados Unidos por conta desse imbróglio, não importando quem vença a eleição americana. As empresas de Elon Musk são estratégicas para os Estados Unidos no setor espacial e a rede social X-Twitter, nesse contexto, é irrelevante: ela não é um problema estratégico dos americanos, mas um problema o empresário Elon Musk, logo, ele que se resolva com o judiciário brasileiro.

As questões envolvendo liberdade de expressão e segurança jurídica no Brasil são um problema dos brasileiros, não dos americanos. Cabe a nós, brasileiros, resolvermos estas questões e não esperar que a solução venha de salvadores da pátria alheia gringos, até por que estes não existem, exceto no imaginário de quem vive em realidade paralela.

A notícia ruim é que estas questões de liberdade de expressão e segurança jurídica no Brasil não serão resolvidas tão cedo enquanto as principais forças políticas do país não tiverem interesse nisso. E nenhuma delas tem esse interesse no momento, a começar pelo bolsonarismo, que apenas usa desse problema para pautar seu modo esquizofrênico e amador de fazer política. Colaboração Angelica Ca.

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