No “tribunal do bolsonarismo” vale a presunção da culpa: todo apoiador é considerado culpado daquilo que lhe imputam, até prova em contrário.


por paulo eneas
O bolsonarismo é autofágico e constitui-se ele próprio em um dos agentes de sua autodestruição. Desde a época do Governo Bolsonaro o bolsonarismo caracteriza-se pela prática sistemática de abandono de seus militantes e apoiadores, independentemente do cometimento comprovado de algum ilícito por parte deste apoiador.

Já desde o começo do Governo Bolsonaro, quando teve início uma série de reveses contra inúmeros integrantes de suas fileiras, o bolsonarismo a cada episódio decide resolutamente não apenas virar as costas para o militante ou apoiador em dificuldades, como atua para acentuar essa dificuldade, literalmente entregando o apoiador aos leões.

Foi assim desde 2019 com as primeiras reveses sofridas pelos apoiadores do ex-presidente, o mesmo tendo ocorrido na CPMI das Fake News e na CPI da Covid, nas ações sofridas por parlamentares bolsonaristas a despeito da suposta imunidade parlamentar, entre outros. Não existe qualquer espírito solidário, comum a todas as agremiações e movimentos políticos.

Observe-se que a decisão do bolsonarismo, capitaneada sempre por Jair Bolsonaro, de lançar ao cadafalso seus apoiadores que caíram em desgraça ocorre sempre independentemente da comprovação da prática de alguma ilicitude por parte deste apoiador. Ou seja, no “tribunal do bolsonarismo” vale a presunção da culpa: todo apoiador é considerado culpado até prova em contrário.

Esta conduta não encontra paralelo em nenhum movimento político do mundo. Em geral, em qualquer movimento político normal, prevalece um saudável espírito de corpo onde todos protegem e defendem todos, uma conduta que fortalece o sentido da unidade política. No bolsonarismo isso não ocorre.

O caso mais recente envolvendo a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) é exemplar. Alvo de investigações pela Polícia Federal num caso envolvendo supostas ligações com Walter Delgatti, tido como “hacker da vaza jato”, a deputada convocou na semana passada os cerca de cem parlamentares de seu partido para um evento em sua defesa. Apenas dez parlamentares compareceram em apoio à deputada.

Da mesma forma, a rede de agentes bolsonaristas de desinformação que atua na internet simplesmente ignora o assunto, como se num passe de mágica a deputada Zambelli tivesse deixado de existir.

Deve-se observar que esta postura do bolsonarismo não é específica em relação à deputada. Trata-se de um método de fazer política, já constatado nos quatro anos de Governo Bolsonaro, onde nada tem importância: nem as pautas supostamente de direita, nem os apoiadores individuais.

A única coisa que importa ao bolsonarista é a defesa cega e intransigente do anti-líder que idolatram. Tudo mais é descartável: as pessoas, as pautas políticas, os valores e os princípios.

Esta conduta obviamente gera uma autofagia autodestrutiva, que pode ser constatada também por afirmações feitas pelos bolsonarista de que não cabe a Jair Bolsonaro preocupar-se ou manifestar-se sobre os presos do Oito de Janeiro, pois isto poderia “prejudicar” o ex-presidente.

É evidente que a política no mundo real é incompatível com esta autofagia. Ao não perceber esta incompatibilidade, o bolsonarismo acaba por contribuir ele próprio para sua autodestruição.


 

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