por paulo eneas
É risível como os analistas da grande imprensa são incapazes de entender até mesmo a geopolítica regional da latino-americana. Artigo de viés editorial publicado nesta quarta-feira (31/05) no jornal O Globo fala de um suposto passadismo da política externa petista. O que editorialista daquele jornal não compreende é que a diplomacia lulista não representa um passadismo: ela expressa na verdade o anacronismo político de Lula.
Este anacronismo consiste em fazer a leitura de um fato ou cenário político de um dado momento com as ferramentas de análise de outro momento distinto. No caso do petista Lula, seu anacronismo consiste em acreditar que ele é o mesmo personagem do início do século, que foi chamado de “O cara” pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama.
Lula possivelmente acredita que ele ainda é “o cara” da esquerda latino-americana e não percebeu que passados quase vinte anos, “os caras” agora são outros, inclusive no tabuleiro geopolítico da América Latina.
Diferentemente de 2003 e dos anos posteriores daquela década, os grandes players que dão as cartas na esquerda latino-americana agora são a China, via soft war, a Rússia via hard war e o Irã via terrorismo e tráfico de armas. Estes são “os caras” da esquerda do subcontinente latino-americano hoje, não mais “o cara” bajulado por Obama.
O petista Lula possivelmente acreditava que, uma vez tendo chegado ao Palácio do Planalto, bastaria estalar os dedos para passar a chefiar a esquerda latino-americana e ver suas propostas sem nexo baseadas quase sempre em platitudes serem abraçadas por todos.
Para alcançar esse intento, Lula aparentemente acreditava que a defesa e o apoio à ditadura venezuelana seriam a chave para alçá-lo a esta liderança automática da esquerda continental. Enganou-se redondamente.
Após Lula ter afirmado insanamente que a natureza ditatorial do regime venezuelano é fruto de “narrativas”, o petista foi desautorizado e desmentido publicamente por seus próprios pares esquerdistas, como o chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro, durante evento que Lula organizou em Brasília (DF) justamente para tentar firmar-se como liderança da esquerda da América do Sul.
Nesse episódio, o recado passado a Lula pelos demais presidentes latino-americanos diante de sua tentativa frustrada de usar a ditadura venezuelana como escada e estribo para sua pretendida liderança na esquerda latino-americana foi claro: “o senhor não apita nada aqui, seu único papel é ser o que sempre foi, o financiador do movimento”.
Anacronismo político em escala internacional
Lula parece ter voltado para a Presidência da República em 2023 acreditando que o cenário político internacional é o mesmo de quando ele assumiu pela primeira vez em 2003. O petista parece acreditar que suas bravatas em fóruns internacionais iriam ainda encantar os grandes players mundiais e assegurar a ele algum protagonismo. Ledo engano.
Lula parecia mesmo acreditar que seu falatório sem nexo sobre a Guerra da Ucrânia seria levado a sério por alguém. Não foi e não é.
A evidência isso é que além de ser ignorado no encontro do G7 no Japão, Lula foi ignorado até mesmo pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky que, na sua busca legítima por apoio externo, tem até dado bom dia a cavalo. Mas não deu bom dia a Lula.
Outra evidência da irrelevância internacional de Lula para a própria esquerda é que a proposta feita pelo petista para que o banco do BRICS concedesse um empréstimo à Argentina está em vias de ser rejeitada pelo banco, presidido pela petista Dilma Rousseff, a menos que a instituição faça mudança em seus estatutos, o que não ocorrerá tão cedo, se ocorrer.
O fato é que o Brasil, sob o governo petista, reafirma sua absoluta irrelevância internacional, até mesmo junto aos grandes players do movimento revolucionário, como China e Rússia e seus satélites ideológicos e proxies. Paradoxalmente, é esta irrelevância estratégica que impede o Brasil de sofrer maiores consequências por conta das falas desconexas de Lula nos fóruns internacionais: simplesmente ninguém liga nem dá importância.
Nossa irrelevância como país, acentuada pelo governo petista chefiado pelo igualmente irrelevante Lula (irrelevante para o própria esquerda) ficou simbolicamente demonstrada na visita do chanceler russo Sergei Lavrov, que desembarcou no Brasil em trajes informais de jeans e tênis para uma visita de alguns dias semanas atrás.
O verdadeiro e realista papel destinado ao Brasil
Uma leitura honesta da geopolítica internacional mostra que o único papel esperado e exigido do Brasil hoje, e o único papel admitido para o nosso país, mesmo dentro do grande esquema da esquerda internacional, é o de ser financiador da esquerda latino-americana e de uma ou outra republiqueta socialista igualmente irrelevante na África ou alhures.
Somando-se a esse papel delimitado, espera-se também do nosso país que continue sendo o provedor de commodities agrícolas e minerais, especialmente para a China, além de ser mercado consumidor, por parte da parcela minoritária não miserável de nossa população, de produtos industrializados, especialmente chineses.
Ao Brasil não está reservado hoje nenhum lugar na mesa de decisões dos grandes players internacionais, inclusive aqueles da esquerda, seja em temas de comércio exterior, guerras ou qualquer outro. Se o petista Lula acreditava que seu lugar à mesa de decisões dos grandes players da esquerda internacional estava reservado, enganou-se redondamente. Um engano que revela o absoluto anacronismo político do petista.