por paulo eneas
Não existe interesse real algum da parte do bolsonarismo em fazem impeachment de magistrado ou em aprovar lei anistiando os presos do oito de janeiro. A única pauta que interessa a Jair Bolsonaro e ao seu núcleo político é o restabelecimento da elegibilidade do ex-presidente para as próximas eleições presidenciais de 2026.
Todas as grandes questões nacionais, bem como aquelas que interessam particularmente à direita, estão subordinadas a esse objetivo único. As articulações e alianças políticas destas eleições municipais foram feitas visando esse objetivo, inclusive as inúmeras alianças formais do Partido Liberal (PL) com o PT em várias cidades, conforme antecipamos há mais de dois anos que iria ocorrer.
Inclui-se aí também a prática mais sórdida que está sendo adotada em centenas de pequenas cidades: candidaturas de bolsonaristas “originais” filiados ao PL foram barrados em favor de novos filiados vindos da esquerda, que por sua vez serão apresentados ao eleitor como sendo candidatos “da direita” apoiados por Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro acredita que poderá reaver sua elegibilidade de volta por meio de decisão do Congresso Nacional, leia-se, o Centrão, e daí decorre todo o resto. O próprio Bolsonaro verbalizou essa esperança em seu discurso na última micareta patrioteira do Sete de Setembro que, até antes de Jair Bolsonaro, costumava ser a data de celebração da Independência Nacional.
As pautas do impeachment de Alexandre de Moraes bem como da anistia aos presos do oito de janeiro são pautas fakes, como já afirmamos em textos anteriores: servem apenas de retórica para a mobilização permanente da base bolsonarista. Não existe interesse político, a começar da parte do próprio Jair Bolsonaro, nem articulação política séria em torno delas.
A única iniciativa política séria em torno do problema da disfuncionalidade nas relações entres os Poderes da República partiu até agora do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) com sua proposta de CPI para analisar os inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal, como mostramos no artigo Senador Propõe CPI Para Apurar Inquéritos das Fake News e das Milícias Digitais.
Lembrando que o primeiro desses inquéritos, o Inquérito 4781 (Inquérito das Fake News) aberto em 14 de março de 2019, foi endossado e respaldado pelo então Presidente da República, Jair Bolsonaro, por meio de seu Advogado-Geral da União, André Mendonça, a despeito do posicionamento contrário da Procuradoria-Geral da República e da OAB, como mostramos em detalhe na matéria linkada acima.
Se houvesse hipoteticamente um ambiente na sociedade e no meio político que pudesse ensejar a possibilidade de impeachment de ministro da suprema corte, Jair Bolsonaro não se furtaria em, se oportunidade tivesse, sabotar e esvaziar este movimento em troca de sua elegibilidade.
Exatamente como Jair Bolsonaro fez meses atrás com a efêmera tentativa de uma ala bolsonarista de iniciar um movimento de impeachment do petista Lula: a iniciativa foi silenciada e abortada de pronto. Jair Bolsonaro sabe que seu melhor “cabo eleitoral reverso” é justamente o líder petista. Sem Lula e PT, Bolsonaro fica sem discurso.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, a principal tensão existente entre o Legislativo e o Judiciário diz respeito ao Orçamento Federal, em especial as emendas parlamentares. Já no início do Governo Bolsonaro aprovou-se, com votos da base governista de então, a famigerada PEC das emendas impositivas, que na prática conferem ao parlamento mecanismos para executar parte do orçamento federal.
Um pouco depois, foi instituído o complexo mecanismo das emendas do relator, referentes ao relator da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados.
Esse mecanismo foi instituído durante o “governo” do senador Ciro Nogueira (PP-PI) que na condição de ministro-chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro tornou-se o governante de fato, sendo chamado pelo imprensa de presidente executivo, enquanto Jair Bolsonaro estava ocupado com coisas mais importantes, como o cercadinho, as lives no facebook, motociatas, barcociatas e outras “atas”.
As emendas do relator passaram a ser referidas na imprensa como orçamento secreto, por conta de problemas de transparência e fiscalização no uso desses recursos públicos.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal tomou decisões sobre o matéria, em especial uma decisão do ministro Flavio Dino que mandou suspender a execução destas emendas, o que acirrou as tensões com o Centrão. Este é único tema que interessa ao Centrão no que diz respeito a tensões com o Judiciário.
Quanto à anistia aos presos do oito de janeiro, ao menos até agora esta pauta tem servido apenas de barganha e truco para negociações de outros temas que realmente interessam aos congressistas, inclusive a maioria dos que formam a fictícia oposição de direita: sucessão das mesas diretoras das casas no ano que vem e de novo a questão das emendas parlamentares. Na nossa avaliação, dadas as atuais condições, não haverá anistia alguma.
Enquanto isso, na alucinosfera bolsonarista…
A despeito da realidade política que se impõe de maneira nua e crua, no mundo paralelo da alucinosfera bolsonarista circulam publicações que falam de suposta negociação ou barganha para a “permanência” de Alexandre de Moraes no cargo em troca da anistia aos presos e recuperação da elegibilidade de Jair Bolsonaro e o fim dos processos contra o ex-presidente.
Um número incontável de inocentes acreditam nessa narrativa mentirosa e desonesta. Não faz sentido algum imaginar que o bolsonarismo, que nunca obteve uma única vitória política relevante desde 2019, iria agora ter musculatura e poder de barganha para conseguir esse tipo de resultado.
O ministro Alexandre de Moraes fez valer todas as suas decisões desde de março de 2019, desde prisões e condenações de ativistas (sempre com base na Lei 14197 de Jair Bolsonaro), imposição de bloqueios de perfis em redes sociais, bloqueio de contas bancárias de pessoas físicas e empresas.
Muitas das decisões de Alexandre de Moraes são respaldadas pelo colegiado da corte, incluindo aí os ministros indicados pelo ex-presidente Bolsonaro.
Há poucos dias o magistrado forçou Elon Musk a dar marcha à ré não no seu foguete da SpaceX, mas na sua tentativa de confrontar as decisões judiciais que afetaram sua plataforma de rede social X-Twitter, conforme havíamos antecipado que ocorreria e mostramos e provamos no artigo O Desfecho Conforme Antecipamos: X-Twitter Recua e Atende Exigências de Alexandre de Moraes.
O leitor consegue exibir ao menos um “feito” dessa monta, em termos de vitória, do lado do bolsonarismo? Obviamente não, pois eles não existem. De onde viria então agora esse suposto poder de barganha dos aliados do ex-presidente para “impor” condições para a permanência de Alexandre de Moraes no cargo?
Portanto, não faz sentido algum conceber que esse tipo de negociação ou de barganha esteja ocorrendo no mundo real. Trata-se de mais uma narrativa mentirosa e fantasiosa da rede de desinformação bolsonarista que há anos mantém a direita brasileira em estado permanente de descolamento da realidade.
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