por paulo eneas
Conforme noticiamos ontem, o governo petista foi derrotado nesta quarta-feira (03/05) na Câmara dos Deputados por 296 votos na votação de um decreto legislativo sustando decreto governamental relacionado ao marco legal do saneamento. O quórum alcançado na votação foi próximo àquele necessário ao impeachment. Foi um claro sinal enviado pela classe política ao Palácio do Planalto.
Na hipótese de Bolsonaro ficar inelegível, independentemente de ser preso ou não, o petista Lula tornar-se-á descartável para o establishment, uma vez que o principal asset político de Lula é o de ser o antípoda retórico de Bolsonaro. E vice-versa: o combustível que alimenta o bolsonarismo é a retporica antipetismo.
Lula depende politicamente de Bolsonaro para sua sobrevivência na vida pública, e Bolsonaro depende de Lula para continuar ocupando na cena política o lugar que deveria ser da direita. Esta simbiose caracteriza o ambiente de cismogênese política que o Brasil vive há alguns anos. Um cismogênese que deslocou a janela do debate político para o campo da esquerda e do progressismo.
Ocorre que a ausência de unidade política do arco de alianças que trouxe o petista de volta à Presidência da República, como temos insistentemente apontado, tem levado o governo a determinadas escolhas em política externa, na gestão da economia e outras área da administração pública que não contemplam todos os segmentos que formam esse arco, e muitas vezes contrariam seus interesses.
A incapacidade demonstrada até agora pelo governo petista de formar uma base firme no Congresso Nacional, a despeito de Lula ter escalado para sua articulação política figuras experientes como Alexandre Padilha e Rui Costa, evidencia essa ausência de unidade.
O governo petista somente não foi derrotado esta semana no PL2630 das Fake News, que tornou-se o cavalo de batalha de Lula e de seu ministro Flávio Dino, por que contou com a ajuda da base bolsonarista para salvar o projeto.
Em uma demonstração de amadorismo político ímpar, a base bolsonarista não soube ou não quis aproveitar o momento de fraqueza assumida pelo governo quando o relator da matéria pediu sua retirada de pauta, pois sabia que a matéria seria derrotada.
Em vez de usar expedientes de pressão e do regimento para pressionar Arthur Lira a manter o projeto na pauta e encaminhar a votação para derrota-lo, os bolsonaristas preferiram agradar o relator, o comunista Orlando Silva (PCdoB-SP), e concordaram bovinamente com adiamento, que dará mais tempo ao petismo para articular-se pela aprovação do projeto.
A base bolsonarista nem mesmo preocupou-se em questionar, ainda que no plano puramente retórico, por que o governo pedia adiamento de um projeto de lei pelo qual articulou para tramitar em regime de urgência. O episódio mostrou que o bolsonarismo na prática atua como linha auxiliar do petismo.
O fato é que o governo petista somente tem sido bem-sucedido, do ponto de vista da esquerda, no seu embate direto com o bolsonarismo. Fora desse palco do teatro das tesouras com o bolsonarismo, o governo petista não conseguiu até agora nem mesmo apresentar um projeto convincente para o País em nenhuma área relevante da vida pública nacional.
A ausência de uma base governista consistente no Congresso Nacional reflete esta fragilidade política do governo petista, e escancara a capacidade de barganha e de chantagem do Centrão, como ficou mostrado na votação do decreto legislativo do marco regulatório do saneamento.
A mensagem passada na votação da quarta-feira (03/05) na Câmara dos Deputados é que o petismo continua frágil no Congresso Nacional, que poderá quando bem entender inviabilizar politicamente o Governo Lula. Evidencia também que única coisa que sustenta hoje o petismo é o espantalho do bolsonarismo no qual ele bate todo dia para justificar sua razão de existir.
Disclaimer: a foto de ilustração deste artigo é uma concepção gráfica que visa retratar o conteúdo político aqui tratado. Não há registro de evento público real em que Bolsonaro e Lula tenham estado presentes juntos.