por paulo eneas
Entendo que não é o momento de realizar manifestações de rua. Pois os principais embates políticos que têm ocorrido no âmbito dos poderes constituídos dizem respeito a interesses próprios do diversos segmentos do establishment político, establishment este formado por petistas, bolsonaristas, o bloco centrista e os lavajatistas.

A rigor não há no momento  qualquer embate político significativo na opinião público em torno de algum tema de real interesse político ou econômico do povo brasileiro.

Toda a discussão política nacional está encapsulada numa camisa de força da cismogênese criada entre petistas e bolsonaristas em torno de narrativas puramente ideológicas que não refletem em nada os reais problemas do País, pois os interesses reais do povo estão há muito tempo alijados do debate político.

Nos anos recentes o povo tem sido chamado para as ruas para no máximo emprestar apoio a causas que refletem um ou mais dos diversos interesses deste establishment político e das forças que o compões, especialmente o petismo e o bolsonarismo. Nenhuma mobilização de rua em período recente teve como causa um tema de real interesse material da população.

É inegável que as manifestações de rua tiveram um peso e importância política ímpares em 2013 e nos anos seguintes no processo de impeachment da ex-presidente petista. Depois disso, elas foram sequestradas e instrumentalizadas pelo bolsonarismo para transformarem-se somente em micaretas “patrióticas” destinadas a idolatrar político.

As manifestações após o segundo turno das eleições passadas estimuladas pela rede de agentes de desinformação do bolsonarismo foram o ponto culminante, e trágico, deste processo de instrumentalização daquilo que outrora foram legítimas e autênticas manifestações populares.

A próxima manifestação que está sendo chamada pelo MBL e Vem Pra Rua, que contou com apoio inicial de alguns parlamentares bolsonaristas, destina-se à defesa de Deltan Dallagnol. Será novamente o povo sendo instrumentalizado e usado como bucha de canhão para defender não seus interesses, mas o interesse de um político.

O ex-presidente Bolsonaro colocou-se contra a participação de bolsonaristas na manifestação não pelas razões cínicas que ele alega. Conforme mostramos na matéria O Bolsonarismo & O Monopólio das Manifestações de Rua, Jair Bolsonaro acredita que ainda detém o monopólio das ruas e que as únicas manifestações legítimas são aquelas feitas para idolatrá-lo, como foram as duas manifestações gigantescas do Sete de Setembro e outras.

O mandato de Deltan Dallagnol precisa ser defendido? Entendo que sim. Mas quem tem a obrigação moral de fazer esta defesa, e os meios e os instrumentos institucionais para tal, são seus pares, os parlamentares. Eles que usem os recursos públicos que têm à sua disposição, a estrutura de seus gabinetes e os mecanismos institucionais e suas prerrogativas para fazer esta defesa.

Cabe aos parlamentares pressionar o chefe do Legislativo, deputado Arthur Lira (PP-AL), para sair na defesa não da pessoa de Deltan Dallagnol, mas do Parlamento.

Os parlamentares que façam essa pressão, suspendendo via obstrução todas as votações na Câmara dos Deputados, plenário e comissões, e exigindo que Arthur Lira interceda inclusive junto ao Presidente da República para que este, na condição de Chefe de Estado, faça o que achar que deve fazer.

Parlamentares, principalmente os da suposta direita, precisam parar de terceirizar responsabilidades que são deles e jogá-las nas costas do povo. Se estes parlamentares não têm competência para fazer uso devido de seus mandatos, que renunciem e cedam a vaga para quem sabe fazer o trabalho para o qual eles se mostram incompetentes.

Entendo que o povo somente deve voltar para as ruas na defesa de pautas e agendas que dizem respeito diretamente aos seus interesses e não aos interesses deste ou daquele político.

E para isso, as manifestações de rua precisam recuperar o seu sentido original: elas devem ser atos legítimos da população, pacíficos e dentro da legalidade, destinados a cobrar os políticos para que eles façam aquilo que a população quer e exige.

Não faz mais sentido algum continuar apostando no modelo de manifestações que tornaram-se somente micaretas que servem de palco para promoção de políticos, sejam eles bolsonaristas ou lavajatistas.


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