por leandro gouveia
A crise militar desencadeada na Rússia nesse final de semana deu uma reviravolta que pegou muitos analista de surpresa e sem compreender de fato o que ocorreu. O reviravolta foi o recuo de Yevgeny Prigozhin, comandante e proprietário da milícia mercenária Wagner Group.
No final da tarde do sábado (24/06), o ditador da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, decidiu intervir na crise e abriu negociações com Yevgeny Prigozhin. Lukashenko, o mais antigo ditador da Europa, permanece no poder na Bielorrússia única e exclusivamente por conta do suporte que recebe do ditador Vladmir Putin.
Como retribuição ao suporte russo à sua ditadura, Aleksandr Lukashenko abriu negociações com Yevgeny Prigozhin, oferecendo-lhe garantias e o território da própria Bielorrússia para a estadia segura do chefe mercenário. Lukashenko obteve de Prigozhin a promessa de não marchar para Moscou, e promessa foi amplamente divulgada propagandistas bielorrussos na impressa oficial.
A versão oficial da Bielorrússia é a de que o ditador Lukashenko abriu negociações com Yevgeny Prigozhin “com o consentimento” do chefe do regime ditatorial do Kremlin, Vladimir Putin:
“As negociações continuaram ao longo do dia. Como resultado, foram alcançados acordos sobre a inadmissibilidade de um massacre sangrento no território da Rússia“, afirma a versão oficial. Para a ditadura bielorrussa, massacres de civis somente podem ser realizado na Ucrânia.
A imprensa oficial bielorrussa afirmou que Yevgeny Prigozhin havia insistido em uma proposta para cessar a movimentação de suas tropas do Wagner Group em território russo, que incluía a adoção de novas medidas para diminuir a tensão.
Na noite do mesmo sábado Vladimir Putin teria agradecido a Lukashenko por telefone. O porta voz do Kremlin, Dimitri Peskov, anunciou que o processo criminal aberto contra Yevgeny Prigozhin seria encerrado e que o comandante do Wagner Group iria para o território da Bielorrússia sob garantia pessoal de Vladimir Putin.
O porta-voz informou ainda que nenhum integrante do Wagner Group seria alvo de represália processual, apesar de o próprio grupo ter declarado que derrubou três helicópteros Mi-8 MTPR (usado para guerra eletrônica), um Mi-8, um KA-52, um Mi-35 e um avião de passageiros Il-18 (posto de comando aéreo), resultando num total de 13 pessoas mortas, entre pilotos e tripulantes militares.
O que mais chama a atenção no comunicado do porta-voz do Kremlin é a afirmação de que os integrantes do Wagner Group não serão processados com base em seus “méritos”, referindo-se a crimes de guerra em grande escala e atrocidades cometidas por russos em territórios ucranianos.
Segundo informações do portal ucraniano NV, talvez esse seja o real motivo da insurgência do Yevgeny Prigozhin: o risco de ver seus mercenários sendo alvo de processos por crimes de guerra que foram e continuam sendo cometidos na Ucrânia.
Ainda no início da noite do sábado (24/06) no horário de Kiev, Yevgeny Prigozhin ordenou que seus mercenários dessem meia volta estando eles a poucos quilômetros de Moscou. Logo em seguida, funcionários da prefeitura de Lipetsk começaram a cobrir as covas que haviam sido abertas em estradas para impedir a passagem da coluna do Wagner Group.
À meia-noite (00h03m) do domingo (25/06), Yevgeny Prigozhin e seus combatentes haviam deixado o quartel-general do Distrito Militar do Sul em Rostov rumando para Bielorrússia. Duas horas depois (02h06m) do domingo, o portal RosZMI mostrou imagens do que a polícia teria apreendido na “sede” de Prigozhin em território russo.
A mídia russa publicou fotos de objetos encontradas no Hotel Trezini em São Petersburgo, chamado de “quartel-general” de Yevgeny Prigozhin. Teriam sido apreendidas barras de ouro, grandes somas em dinheiro, armas, sacos de pólvora e inúmeros passaportes russos com rosto de Prigozhin com nomes diferentes.
O que podemos concluir dessa rebelião abortada é que Vladimir Putin não detém mais o monopólio do poder nem da violência na Rússia. Seu regime ditatorial não tem capacidade de proteger seu próprio território.
Soma-se a isso, a constatação de Vladimir Putin não tem hegemonia das Forças Armadas e menos ainda a simpatia popular, já que praticamente não houve resistência do Exército Russo à tentativa de golpe e a população recebeu com simpatia as tropas do Wagner Group.
Os parceiros do CSTO (uma espécie de versão russa da OTAN) nada fizeram para socorrer Vladimir Putin. Também é possível depreender a mudança de “status” do ditador bielorrusso Aleksandr Lukashenko, que saiu da posição de ditador zero à esquerda, que vivia sob as rédeas curtas de Vladimir Putin, para a condição de um líder com ascendência e poder sobre o ditador russo.
Leandro Gouveia é ex-sargento do Exército Brasileiro, escritor e estudioso da origem do pensamento militar brasileiro e colaborador regular do Inteligência Analítica.
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