por paulo eneas
Desde meados do Governo Bolsonaro a então direita política que existia entrou numa espiral de irracionalidade e completo descolamento da realidade. Este descolamento mantem-se até hoje por meio da construção de narrativas mirabolantes e fantasiosas que servem de biombo para ocultar a incompetência do bolsonarismo, que ainda hegemoniza o eleitorado de direita, em avaliar seus erros e em compreender com precisão o atual momento político.
Esse descolamento da realidade explica também em grande parte a derrota sofrida pelo bolsonarismo no pleito presidencial do ano passado: o bolsonarismo foi incapaz de perceber que as condições de vida da maioria da população, especialmente os mais pobres, pioraram durante o Governo Bolsonaro e que esta piora teria reflexos inevitáveis na disputa eleitoral.
A empáfia e a arrogância do politburo bolsonarista o levou a ignorar esse dado da realidade, de modo que por conta disso sua estratégia eleitoral não foi pensada para dar respostas convincentes a esta situação. Parece que estúpido politburo patriota realmente acreditou que bastava nos debates chamar o candidato petista de ladrão e sacar a carta ideológica do fantasma da venezuelização que a eleição estaria ganha.
Isso ocorreu por que o bolsonarismo caracteriza-se pela recusa permanente em compreender que as expectativas da maioria da população e do eleitorado em relação aos políticos não residem na esfera ideológica, que é a única esfera da política que o bolsonarismo conhece.
E ainda assim conhece pouco, pois o bolsonarista é facilmente derrotado em embates puramente ideológicos com qualquer esquerdista medianamente preparado. A diferença é que cada derrota é exibida como vitória no Fantástico Mundo de Bob em que o bolsonarismo vive.
A política e os políticos sob a ótica do brasileiro comum
As expectativas do brasileiro comum em relação aos políticos residem na avaliação do quanto um determinado governante foi ou é capaz, ou não, de proporcionar melhorias nas condições materiais de vida do cidadão comum. Esta é a única avaliação que conta e pesa no momento em que o eleitor comum vai votar.
Isso é uma característica intrínseca do brasileiro que, diferentemente do norte-americano por exemplo, espera do Estado a solução de seus problemas. Essa mentalidade do brasileiro, de esperar soluções vindas do Estado, é ruim? Sim, é péssima. Mas é com esse dado da realidade que a direita tem que aprender a trabalhar.
Esta mentalidade somente será mudada no longo prazo, e esta mudança não vai ocorrer por meio da repetição incessante de mantras ideológicos requentados como faz o bolsonarismo, que reduziu a atividade política ao exercício de narrativas, ignorando por completo a entrega de resultados.
No que diz respeito à atuação política, esta mentalidade estatista somente começará a ser alterada quando ações políticas concretas de um governante de direita forem adotadas e implementadas na direção de menor peso do Estado na vida das pessoas, e quando estas ações traduzirem-se em resultados que melhorem a vida da população.
Por exemplo, a política pública de um governante de direita que estimule maior peso do setor privado nos serviços de saúde e que resulte na melhora geral da qualidade do atendimento à saúde da população servirá para mostrar, via ações concretas, que não é o Estado que vai resolver os problemas da péssima qualidade do serviço de saúde.
A desastrosa experiência bolsonarista fez exatamente o oposto: colocou a “ideologia” (que na verdade não é ideologia no sentido rigoroso do termo, mas apenas uma retórica antiesquerdista capenga) como carro chefe de sua comunicação política e não se preocupou em entregar resultados, em promover melhoras na vida das pessoas via políticas públicas de viés claramente de direita.
Ao contrário, enquanto o bolsonarismo alimentava sua retórica ideológica de pé-quebrado ele ao mesmo tempo aprofundava as políticas públicas de esquerda e pró-establishment em diversas áreas. Incrementou os programas assistencialistas herdados da era petista, fazendo apenas troca de nomes e abandonando por completo as preocupações com a “porta de saída”.
O Governo Bolsonaro aprovou dezenas de leis identitárias, manteve o Brasil no BRICS, aumentou o fundão eleitoral, transformou a extinta direita num puxadinho do Centrão, na política externa preparou a trilha do alinhamento com o eixo russo-chinês-iraniano, trilha esta que vem sendo desbravada pelo atual governo petista.
Voltando ao brasileiro comum, a direita precisa entender que do ponto de vista deste eleitor, a componente ideológica tem peso irrelevante ou nulo na sua percepção sobre os políticos e sobre os governantes. Não é o componente ideológico que vai guiar o brasileiro comum quando este for decidir em quem votar ou se irá ou não aprovar o governo de turno.
A direita precisa entender que a ideologia por si só não determina o voto, exceto em nichos específicos, que não são numerosos o bastante para decidir por si mesmos o resultado de uma eleição.
O que chamamos de modo impreciso e pouco rigoroso de “ideologia” não pode nunca ser o carro-chefe ou para-choque da atuação política ou mesmo do discurso político. A ideologia, no sentido aqui usado, deve ser unicamente a baliza e a bússola moral da atuação do político e do governante, e o fio condutor de sua estratégia de poder de longo prazo.
É o compromisso ideológico que vai determinar se um governante supostamente de direita irá empenhar esforços para implementar políticas de direita, e entregar resultados que beneficiem a população mostrando a superioridade destas políticas em relação àquelas da esquerda, ou se irá antecipar-se em concessões à agenda ideológica da esquerda, como Jair Bolsonaro fez em sua gestão.
É a ideologia como baliza moral que vai determinar se um governante, ao receber joias e bens preciosos como presentes diplomáticos de país estrangeiro, irá incorporá-las ao patrimônio público como a moralidade determina, independentemente das minúcias da lei sobre o tema, ou se irá apropriar-se delas de modo sorrateiro para obter ganhos financeiros ilícitos.