por leandro gouveia
No dia seis de agosto deste ano propagandistas russos apontaram que estava ocorrendo uma invasão ucraniana ao território russo na região de Kursk ao norte da Ucrânia. Inicialmente a notícia foi vista com desconfiança, mas posteriormente confirmou-se extraoficialmente que a Ucrânia estava executando uma operação de invasão ao território russo em absoluto silêncio, mas somente no dia doze de agosto o governo ucraniano confirmou oficialmente a operação.
Informações mais precisas do que está realmente acontecendo estão chegando agora e sabe-se que a Ucrânia já controla 1000 Km quadrados do território russo e suas forças militares avançaram rapidamente em seis dias. No entanto, os objetivos da operação ainda não foram oficialmente explicitados.
O Fator Surpresa
A operação pegou todos os analistas de surpresa e parece ter surpreendido também os aliados da Ucrânia, pois na semana anterior as forças ucranianas vinham sofrendo com a perda de territórios na região de Sumy, Kharkiv e Donetsk.
Desta forma ninguém poderia imaginar uma reviravolta dessa natureza, uma vez que os ucranianos vinham perdendo de territórios nessas regiões justamente por conta da movimentação de suas tropas para a operação de invasão da região de Kursk, em território russo.
Pode parecer estranho num primeiro momento, mas se considerarmos que as cidades nas linhas defensivas dessas regiões foram praticamente apagadas do mapa havendo apenas escombros, e que lutar em linha defensiva é extremamente desgastante e difícil, pois o inimigo fica sabendo de toas as posições e ações, não há surpresa alguma.
“É muito mais difícil lutar numa posição defensiva. O inimigo ali sabe tudo sobre nós. Ele sabe onde estamos. Seus drones veem todos os nossos movimentos. Aqui tivemos um elemento surpresa. Mas também ficamos surpresos que [eles] ficaram tão surpresos [com nosso ataque]”, disse um militar ucraniano que participou da invasão em entrevista ao Financial Times.
Por outro lado à operação de invasão à região de Kursk pegou seus habitantes de surpresa: a região era fracamente vigiada por tropas chechenas e ninguém esperava uma invasão, o que possibilitou o avanço rápido das forças ucranianas.
Objetivos da Operação
Não há declarações oficiais do lado ucraniano sobre o verdadeiro objetivo dessa operação, mas supõe-se que seja capturar uma usina nuclear russa que fica a 80 Km da fronteira com a Ucrânia. Nesse momento as tropas ucranianas se encontram a 15 Km da usina e há informações e imagens de trincheiras sendo escavadas pelos russos para proteger a instalação.
O objetivo mais claro seria capturar território para ser usado com moeda de troca por território ucraniano tomado pelos russos, forçando assim Vladimir Putin a ir à mesa de negociações não só com seus termos. Outro provável objetivo é forçar a movimentação de tropas russas do território ucraniano para guarnecer essa nova linha de frente, além de captura de infraestrutura usada na sustentação financeira e logística das hostilidades contra a Ucrânia.
O que a Ucrânia conseguiu até o momento?
Esta é a primeira invasão de território russo em 80 anos, o que desmente mais uma vez a imagem cuidadosamente construída pela propaganda russa sobre uma Rússia como “potência militar”.
A invasão demonstra toda a fragilidade da defesa de fronteira da Rússia e desfaz a imagem de Vladimir Putin como “o protetor do povo russo”. A invasão também mostrou aos países aliados que muito do que Vladimir Putin diz não passa de blefe.
Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (12/08), os senadores norte-americanos Lindsey Graham (Republicano) e Richard Blumenthal (Democrata), em visita a Kiev, avaliaram como positiva a operação ucraniana. Graham declarou que há mais esperança hoje por causa dos acontecimentos no Oblast de Kursk do que viu em todas as suas seis viagens à Ucrânia nos últimos dois anos.
Lindsey Graham ainda instou pilotos norte-americanos de caça F-16 aposentados a lutarem junto com à Ucrânia. A comitiva ainda disse que apresentara à administração Joe Biden pedido de relaxamento das restrições de uso das armas norte-americanas cedidas a Ucrânia para que o país possa avançar ainda mais em território russo.
O sucesso dessa operação até o momento trouxe um aumento significativo da moral da tropa e do cidadão ucraniano. Nesse quesito a operação foi genial e deu fôlego e esperanças aos ucranianos: “estamos de bom humor, a moral está alta”, disse um paraquedista da 80ª Brigada de Assalto Aerotransportado em entrevista ao Financial Times.
Um Possível Problema
Ivan Stupak, especialista militar e ex-funcionário da SBU, avalia que a operação ucraniana de invasão de Kursk é de grande risco: ou a Ucrânia vencerá ou perderá de vez. O especialista sublinha que as ofensivas russas no leste e sul da Ucrânia e na região de Kharkiv continuam e mesmo assim foram movidas tropas para a operação em Kursk. Stupak acentua que esta operação será estudada em todas as escolas militares no futuro, tamanha sua ousadia.
Desdobramentos das Operações
Nos primeiros dias surgiram imagens de colunas russas completamente dizimadas, inúmeros corpos de soldados russo e várias unidades militares russas se rendendo ao exército ucraniano. Houve cidades que foram evacuadas, em outros lugares moradores deixaram suas casas e fugiram. Imagens de vilas completamente vazias circulam nas redes.
Por outro lado, não há relatos de crimes de guerra contra civis russos por parte do exército ucraniano, que tem concentrado suas ações em ataques à infraestrutura e bases militares russas.
Foi relatada a captura pelos ucranianos de uma subestação da Gazprom, a principal empresa e energia russa, e uma foto divulgada em grupos de Telegram sugere que Aleksandr Stanislavovych Syrskyi, o comandante em chefe do Exército da Ucânia, esteve pessoalmente com suas tropas em território russo. Os ucranianos também já estabeleceram um corredor para evacuar equipamentos danificados e feridos de volta para a Ucrânia.
Conclusão
A operação ainda está cercada de perguntas e mistérios. A Ucrânia mantém silêncio sobre a operação, mas é inegável que foi uma ação ousada e muito bem preparada, e o silêncio e a surpresa foram preponderantes para o sucesso nesses primeiros seis dias.
Sempre me surpreendo com os ucranianos, toda vez que pensei que estavam nas cordas eles se levantam com mais força. É difícil cravar o que vai acontecer daqui pra frente, pois é difícil fazer qualquer previsão quando se trate do povo ucraniano. Referências: The New Voice of Ukraine e Financial Times. Edição de Redação de Paulo Eneas.
Leandro Gouveia é ex-sargento do Exército Brasileiro, escritor e estudioso da origem do pensamento militar brasileiro.
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