por paulo eneas
Não se pode pretender conquistar e exercer o poder político numa sociedade sem que se conheça bem de quê e do quê esta sociedade é composta. A esquerda conhece bem a sociedade brasileira, seus anseios, medos e suas fragilidades e vulnerabilidades. Historicamente sempre foi assim. Sociologia, antropologia e ciências humanas em geral sempre foram o terreno privilegiado da esquerda por que estas áreas de conhecimento fornecem instrumentos que ajudam entender, ou menos tentar entender um pouco, como a sociedade funciona.
A direita por sua vez, com raras exceções de praxe, sempre teve nojinho de tudo que diz respeito às ciências humanas enquanto ferramentas para compreensão da sociedade, e trata a área com desdém e empáfia.
Mais que isso, este nojinho elitista nutrido pela direita por tudo que diz respeito aos problemas materiais do povo real de carne e osso, pois por serem mundanos estes problemas não possuem o charme e o sexy appeal das grandes questões filosóficas e estéticas (afinal, é mais bacana e interessante se debruçar sobre Burke ou tomismo do que sobre o problema do esgoto transportando fezes a céu aberto na favela) invariavelmente é confundido com a suposta obsolescência dessa área de conhecimento, numa atitude ao mesmo tempo arrogante e obscurantista.
O resultado dessa postura é que esta pseudo-direita brasileira vive às cegas numa realidade paralela: pois ela toma suas visões ideológicas próprias como sendo expressões e reflexo dos reais anseios da massa da população e por isso torna-se incapaz de falar com e falar para a população comum sobre seus problemas reais.
Essa é a principal característica dessa pseudo-direita surgida em anos recentes, e que por isso estará fadada à extinção como força política relevante, por ser na verdade um ente político mal parido: sua incapacidade de compreender, vocalizar e dar respostas convincentes aos reais problemas percebidos pela maioria da população, problemas estes que não se expressam de imediato como questões ideológicas.
Vimos esse comportamento claramente na metade final do Governo Bolsonaro. Enquanto os anseios reais da população, principalmente a mais pobre, eram com a inflação elevada de alimentos (mais de 50% de aumento no preço da cesta básica entre 2019 e 2021), preço de combustíveis, as consequências da pandemia nos empregos e na economia em geral, o discurso da pseudo-direita bolsonarista era de que o governo é ótimo, pois Bolsonaro era “o melhor presidente que o Brasil já teve”, e que estávamos numa situação muito melhor do que que a dos norte-americanos e europeus. Era um exercício permanente de completo delírio mental político.
Comida e gasolina caras, economia travada? Oras, isso era culpa da Guerra da Ucrânia, simples assim: “quer que eu faça o que?” Não tinha por que o pobre reclamar, pois se tratava de uma coisa óbvia. E que importância tem comida e combustíveis caros diante da ameaça mais grave da venezuelização que ocorreria inevitavelmente se os petistas ganhassem?
Era esse o mindset que conduzia a pseudo-direita brasileira nos melancólicos anos finais de seu fracassado governo. Um mindset doentio que conduzia esta pseudo-direita para o precipício e para a derrota, e quem ousasse alertar não passava obviamente de petista infiltrado, um magoado por não ter conseguido cargo ou simplesmente um isentão.
Os petistas ganharam, como obviamente ganharia qualquer força política razoavelmente organizada contra um governo tão desastroso como foi o de Jair Bolsonaro. O Brasil não virou nem vai virar Venezuela, Jair Bolsonaro segue cumprindo sua missão de sabotar a direita como fica claro nas suas articulações para as eleições municipais desse ano, além de correr o risco de ser preso.
Aquela direita que começou a nascer após 2010 não existe mais, pois foi sequestrada e não deixou legado algum. Aquela direita não foi capaz de formar um partido político próprio e hoje contenta-se em ser um puxadinho do Centrão.
Aquela direita não foi nem mesmo capaz de deixar como legado algum centro de estudos de referência, um think tank conservador, como existem às dezenas nos Estados Unidos, destinado à formação de quadros, produção de publicações especializadas ou elaboração de propostas de políticas públicas.
Mas em compensação investiu rios de dinheiro em convescotes patrioteiros do tipo CPAC que não produziram nada de conhecimento político para direita nem resultou em coisa alguma em termos de organização para ação política. Mas que teve umas dancinhas bacanas no palco em uma de suas edições.
A pseudo-direita que restou adotou o discurso vitimista que sempre condenou na esquerda para enxergar a si mesma como um vítima histórica: “fizemos tudo certo, mas a realidade atrapalhou”. Nesse exercício permanente de auto-vitimização, a direita prossegue na ladainha de que é preciso “ocupar espaços”.
Mas se essa pseudo-direita não foi, e continua não sendo, capaz de nem mesmo criar seus espaços próprios que seriam, por óbvio, ocupados por ela mesma, que sentido faz ficar na ladainha de ocupar espaços, se essa direita já se mostrou incapaz e despreparada para isso? O único espaço que a pseudo-direita sabe ocupar é o das redes sociais, pois as técnicas do marketing digital estão aí ao alcance de todos. Basta ter dinheiro para pagar, e dinheiro para isso nunca falta.
É hora de lamber as feridas, abaixar a crista e a bola e admitir que a direita precisa ser refundada em bases racionais, sem a empáfia, o obscurantismo e sem a completa ignorância sobre o básico da política no mundo real que caracterizam o flagelo delirante do bolsonarismo.
COLABORE CONOSCO FAZENDO UMA DOAÇÃO NO PIX: 483.145.688-80 |