O descarte da agenda identitária na Rússia não faz de Vladimir Putin um “conservador” e menos ainda um “antiglobalista”. O descarte reflete apenas isso: a descartabilidade de um instrumento revolucionário quando este não é mais necessário para a revolução, como os revolucionários sempre fizeram ao longo da história.
por paulo eneas
O ditador da Rússia, Vladimir Putin, assinou nesta segunda-feira (24/07) uma lei que proíbe as chamadas cirurgias de “mudança de sexo” e que também proíbe que pessoas definidas como “transgênero” possam adotar crianças.
De acordo com a nova lei, as cirurgias de “mudança de sexo” e os tratamentos hormonais correspondentes passam a ser proibidos, exceto nos casos considerados desvios fisiológicos congênitos. A lei também proíbe a alteração de documentos oficiais com base em atestados médicos de alegada “mudança de sexo”.
A nova legislação concede poderes às autoridades para anular casamentos se um ou ambos os cônjuges passarem pela chamada “mudança de sexo”. Os cidadãos russos que submeterem-se a tais procedimentos no exterior não poderão mais obter documentos russos que reflitam sua nova “identidade de gênero”.
As medidas adotadas pelo regime russo não são novidade e tendem a seduzir parte da direita ocidental que acredita ingenuamente que esta conduta refletiria algum viés “conservador” da parte do ditador russo.
Ocorre que a agenda identitária nunca fez parte do programa comunista. Esta agenda nasceu no Ocidente incentivada justamente pelo serviço de inteligência do antigo regime soviético e foi abraçada pelos grupos metacapitalistas ocidentais como instrumento de desestabilização, tensionamento social e de controle.
A esquerda ocidental abraça tal agenda justamente por que vê nela seu potencial revolucionário e o caminho para medidas autoritárias de coação por parte do Estado sobre opiniões e comportamentos individuais.
O fato de tal agenda ser abraçada e financiada por grandes grupos econômicos metacapitalistas, especialmente na produção de cultura e entretenimento, não significa que tais grupos foram ganhos pela guerra cultural, como muitos conservadores acreditam ingenuamente.
Significa apenas que tais grupos também têm interesse nestes mecanismos de controle e na possibilidade de criação de nichos de mercado em torno dessas pautas. Pois a agenda identitária é também uma agenda de negócios, que somente persistirá se for viável economicamente.
Nenhuma dessas questões está presente na realidade russa: não há necessidade de pretexto para mecanismos de controle, pois eles já existem em larga escala na história russa, que nunca conheceu períodos de liberdade ou de democracia.
Por sua vez, os interesses econômicos dos grandes grupos monopolistas russos, herdeiros do regime soviético, já estão todos contemplados pelo atual regime de Vladimir Putin. Nesse ambiente, a agenda identitária torna-se apenas um incômodo e um “luxo pequeno-burguês” que pode ser facilmente descartado.
O descarte da agenda identitária na Rússia não faz de Vladimir Putin um “conservador” e menos ainda um “antiglobalista”. O descarte reflete apenas isso: a descartabilidade de um instrumento revolucionário quando este não é mais necessário para a revolução, como os revolucionários sempre fizeram ao longo da história. Colaboração Angelica Ca.