A possível legalização do aborto até doze semanas por decisão judicial espelha uma realidade que os analistas supostamente de direita se recusam a admitir: a mentalidade purista, ingênua e ao mesmo tempo arrogante dos conservadores brasileiros, que preferem exibir afetação de virtude por meio do nojinho da política, faz com que o poder político no Brasil fique nas mãos somente da esquerda e de farsantes corruptos travestidos de direita, como foi o caso do bolsonarismo, possibilitando assim que a agenda progressista avance sem freios por ação das instituições de poder.
por paulo eneas
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta sexta-feira (22/09) o julgamento de uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442) movida pelo partido PSOL e entidades junto à corte pedindo a descriminalização ampla e geral do aborto até a décima segunda semana de gestação.
O primeiro voto foi dado em votação no plenário virtual pela presidente da corte e relatora da ação, ministra Rosa Weber, que posicionou-se favoravelmente à descriminalização. Em seguida a votação foi interrompida a pedido do ministro Luis Roberto Barroso. Desta forma, a apreciação da matéria prosseguirá no plenário físico.
A ADPF 442 que na prática legaliza o assassinato de fetos até a décima segunda semana de gestação foi protocolada na suprema corte pelo partido PSOL e pelo Instituto Anis ainda em 2017. Na ação, o partido pede que os artigos do Código Penal que tratam do aborto não tenham validade para a interrupção da gestação feita nas doze primeiras semanas da gravidez em quaisquer circunstâncias.
A ação argumenta que a vedação prevista nos referidos artigos do Código Penal é incompatível com dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres. Pela atual legislação penal, comete crime a mulher que faz aborto ou quem provoca o aborto na gestante com o seu consentimento. O procedimento pode levar à prisão.
A atual lei brasileira prevê a possibilidade de realização legal do aborto em três situações: a) quando não há outra forma de salvar a vida da gestante; b) se a gravidez resulta de estupro; c) se for constatado que o feto é anencéfalo.
Reação tardia dos conservadores e cristãos
Os conservadores procuraram nos últimos dias esboçar alguma reação ante a iminente legalização do aborto por meio de decisão do judiciário.
No Congresso Nacional, alguns parlamentares juntamente com entidades como a CNBB e ANAJURE e IBDR ingressaram com mandado de segurança solicitando suspensão do julgamento da ADPF 442 por conta de falhas de procedimento. Existe também a iniciativa no Congresso Nacional de se aprovar a realização de um plebiscito nacional para decidir sobre a matéria.
O mais provável é que estas iniciativas de última hora não produzam resultado. O desfecho mais provável é que a maioria da suprema corte, de viés sabidamente progressista, dê ganho de causa à propositura constante na ADPF 442 e com isso o aborto até a décima-segunda semana de gravidez venha a ser legalizado no Brasil.
Conservadores têm que abandonar o nojinho da política e entrar na disputa de poder
A possível legalização do aborto até doze semanas espelha uma realidade que muitos analistas supostamente de direita se recusam a admitir:
A mentalidade purista e ingênua e ao mesmo tempo arrogante dos conservadores brasileiros, que preferem exibir afetação de virtude por meio do nojinho da política, faz com que o poder político no Brasil fique nas mãos somente da esquerda e dos progressistas e de farsantes corruptos travestidos de direita, como o bolsonarismo, possibilitando assim que a agenda progressista avance sem freios por meio das instituições de poder.
É justamente a ausência de verdadeiros conservadores no sistema de poder político que faz com que se abra espaço para a paralisia do sistema político diante do ativismo judicial, que é a principal via de imposição da agenda progressista.
A possível legalização do aborto por decisão do judiciário estará formalmente amparada na Lei 9.882/1999 que regulou o dispositivo da ADPF previsto na Constituição Federal. Ao longo desses anos faltou inteligência jurídica e capacidade de articulação política por parte dos conservadores brasileiros para modificar esta legislação ou mesmo sua previsão no texto constitucional.
Faltou visão estratégica e inteligência para perceber que essa norma confere ao judiciário a capacidade para legislar de fato, a pretexto de garantir direitos difusos e de sanar suposta omissão do poder legislativo em garantir tais direitos. Esta noção constitui-se na base teórica do ativismo judicial.
Nos quatro anos do Governo Bolsonaro, que se apresentava como um governo de direita sem nunca ter sido, não houve qualquer iniciativa de um único mísero cérebro do antigo governo de debruçar-se sobre esse tema, e articular com políticos do centro alterações nessa legislação.
O fato é que a realidade salta aos olhos: os conservadores brasileiros precisam sair da zona de conforto da afetação de virtude, descer para o play, e encarar como adultos um dos dados mais importantes da realidade: existe disputa de poder político na sociedade e os desdobramentos desta disputa afetam a vida de todas as pessoas, inclusive daquelas ainda não nascidas.
O Judiciário irá decidir sobre a legalidade do aborto por que o atual arcabouço institucional brasileiro lhe confere legitimidade formal para tomar esta decisão. E este arcabouço institucional foi sendo construído ao longo dos anos unicamente pela ação política de agentes públicos progressistas, enquanto os conservadores preferem se abster de qualquer ação política efetiva. Afinal, a política é “muito suja”, dizem os afetados pela realidade.
O aborto poderá ser legalizado por que não existe no parlamento brasileiro uma força política articulada e inteligente o bastante para fazer valer no Brasil uma legislação pró-vida, como ocorre em países do leste europeu e alguns estados norte-americanos, onde a direita não fica brincando no parquinho da redes sociais nem fica com afetação de virtude por meio do nojinho da política enquanto lê Scruton e Burke, mas atua como gente grande. É isso que os conservadores brasileiros precisam aprender a fazer. Colaboração Angelica Ca.