por paulo eneas
O que tem sido veiculado na mídia desde a aprovação pelo plenário do Senado Federal da emenda constitucional que regula as decisões monocráticas de ministros da suprema corte tem sido basicamente o seguinte:
1) O senador Jacques Wagner (PT-BA) teria votado a favor da PEC por decisão pessoal própria, ignorando o fato de ser líder do governo no Senado.
2) A jornalista da Globo News, Andrea Sadi, teria tido acesso a uma suposta conversa posterior do senador petista com membros da suprema corte onde estes teriam feito afirmações cobrando “lealdade” do governo, ameaçando com o “fim de qualquer papo” dos magistrados com o governo e até mesmo lembrando ao senador que o petista Lula somente tornou-se presidente por decisão do judiciário.
3) Jacques Wagner vem a público dizer que votou a favor da PEC por que o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) lhe teria garantido haver acordo nesse sentido.
4) O petista Lula supostamente não sabia das movimentações de sua base e de membros de seu partido em torno da votação da emenda.
5) Durante um programa da Globo News, a jornalista Eliane Cantanhêde afirma ter recebido mensagens de um ministro da suprema corte, durante entrevista do chefe da Casa Civil, Rui Costa, na qual o suposto magistrado desdenha em tempo real das falas do ministro do governo petista.
6) Na troca de mensagens com a jornalista, o suposto magistrado fala em fim da “lua de mel [da suprema corte] com o governo”, fala em traição rasteira, exige a renúncia de Jacques Wagner à liderança governista no Senado sob ameaça de “fim de papo” com o governo e compara a esquerda leninista (os petistas) com o que ele chama de “extrema direita” (os bolsonaristas), dizendo serem a mesma coisa.
Esta sequência de eventos em poucas horas mais se assemelha a um script criativo. Como se cada notícia veiculada na imprensa tivesse sido cuidadosamente brifada e plantada para fazer valer uma versão diferente daquela que corresponde à realidade dos fatos. O que precisa ser considerado numa abordagem realista são os seguintes dados:
1) O senador Jacques Wagner jamais daria um voto em favor da PEC sem o consentimento prévio do petista Lula.
2) Uma suposta conversa, se é que de fato houve, entre Jacques Wagner e magistrados, que viesse a se dar no tom e nos termos divulgados, jamais viria a público tão facilmente pelo seu teor explosivo.
3) Se o governo desejasse teria derrubado a PEC, uma vez que o governo tem conseguido maioria para todas as suas matérias de interesse estratégico. Quem aprova o que quer, também derruba o que não quer ver aprovado.
4) As reações verbais de alguns integrantes da suprema corte foram equivalentes a morder uma isca, pois favorecem somente o governo e o Congresso, uma vez que tais reações foram interpretadas como uma afronta.
Muitos analistas no campo da direita, a maioria anônimos que fazem suas análises circular por aplicativos de mensagens, têm repetido o vício da over analysis, que consiste em trazer elementos novos sem relação de causa e efeito com o fato em si, para daí tirar conclusões duvidosas, pois baseadas em premissas igualmente duvidosas.
Uma dessas over analysis fala em suposto interesse do senador Rodrigo Pacheco em possível privatização de algumas estatais de Minas Gerais e questões relacionadas à dívida daquele Estado. O erro dessas análises está em superestimar a figura de Pacheco e ignorar que o senador tem sido apenas instrumental num embate de poder que está muito além de seu tamanho.
Conforme apontamos no artigo A PEC das Decisões Monocráticas & As Relações de Poder em Jogo no Brasil publicado ontem, o que está em jogo são relações de poder envolvendo Lula e membros do judiciário.
Pois enquanto o petista depende de aprovação popular, de maioria no Congresso Nacional e de outros mecanismos de pesos e contrapesos para exercer o poder, o outro lado não depende de nada disso e tem exercido o poder de fato sem óbice algum. É esta a questão que está em jogo no Brasil há alguns anos conforme apontamos no artigo citado. Por fim, cabem duas observações:
Manifestações de rua
Bolsonaristas estão de novo chamando manifestações de rua em torno do tema. É uma perda de tempo e tentativa de surfar politicamente em cima de fatos sobre os quais eles, os bolsonaristas, não têm protagonismo algum.
Primeiro por que as manifestações de rua foi esvaziadas do peso e significado que tinham após terem sido transformadas por Jair Bolsonaro em micaretas de idolatria a político. Ninguém mais se intimida com as ruas, como o 7 de setembro de 2021 provou.
Em segundo lugar, por que quem vai ditar os rumos dessa disputa de poder é quem está de fato preocupado nesse momento com o exercício do poder, preocupação esta que nunca existiu da parte do ex-presidente Jair Bolsonaro: o petista Lula e o Centrão.
A radicalização da base petista
A base petista tem reagido com duras crítica a Jacques Wagner, mostrando assim que a cismogenia ou guerra híbrida que o Brasil vive atinge igualmente os petistas: pois enquanto o bolsonarismo se move pelo furor contra os petistas, estes também se movem pelo furor contra os bolsonaristas, contra quem alimentam um sentimento de vingança, ainda que isto venha ao custo de comprometer o exercício de poder do líder deles, o petista Lula.
Do ponto de vista do petista Lula, no entanto, esse é um problema menor, pois o que ele mais fez nas últimas quatro décadas foi justamente administrar e arbitrar os conflitos internos entre os petistas.