Para além dos factoides espetaculosos de mídia e de redes, procuramos aqui ao menos tentar compreender as questões de poder envolvidas no apoio velado dado pelo governo petista à emenda constitucional que restringe as decisões monocráticas de integrantes de cortes superiores.


por paulo eneas
A aprovação na noite desta quarta-feira (22/11) pelo plenário do Senado Federal da Proposta de Emenda à Constituição que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (PEC 8/2021) com votos favoráveis da base governista e do próprio líder do governo no Senado Federal abre um novo capítulo nas questões de poder institucional no Brasil.

A PEC foi aprovada com 52 votos favoráveis e apenas 18 votos contrários nos dois turnos de votação no Senado. Apenas PT e MDB orientaram suas bancadas pela rejeição da matéria. Demais partidos, inclusive da base governista, orientaram suas bancadas favoravelmente e votaram a favor, como PL, Podemos, União Brasil, PP, Republicanos, PDT, PSDB e Novo.

O governo, por sua vez, liberou sua bancada por meio de orientação dada pelo senador Jacques Wagner (PT-BA), líder governista no Senado. O mesmo Jacques Wagner declarou voto favorável à emenda. Seu voto favorável foi o pivô de toda uma reação de petistas na imprensa e nas redes sociais e evidenciam que houve apoio velado do governo à emenda.

O que está em jogo são as relações de poder no Brasil
O que grande parte dos analistas está se recusando a apontar é que a votação desta PEC espelha mais um capítulo de uma disputa sutil de poder existente no Brasil decorrente do esvaziamento da Presidência da República no período do Governo Bolsonaro.

Esse esvaziamento institucional da Presidência da República teve como resultado o acúmulo de poder no Judiciário, o que seguramente incomoda os petistas, por uma razão óbvia: a questão do poder. Ninguém, exceto Jair Bolsonaro, aceita e concorda em exercer o papel de presidente de fachada, ser um cone com faixa, como foi Jair Bolsonaro nos seus quatro anos de mandato.

Analistas políticos do campo da “direita” não conseguem perceber esse problema institucional por que acreditam na fantasia de que existe uma “conspiração” entre o judiciário e governo contra a “direita” por razões ideológicas.

Erram nessa análise por acreditarem também na fantasia de que a política gira em torno de ideologias ou de elementos acessórios secundários como popularidade ou performance em mídias sociais e discursos impactantes, quando na verdade o núcleo da política gira unicamente em torno da conquista, manutenção e capacidade para exercer o poder.

É fato que houve em período recente uma convergência tática circunstancial entre as ações do judiciário e interesses políticos dos petistas, por que o bolsonarismo, na sua forma amadora e quase delinquente de fazer política, deu a seus desafetos os pretextos e instrumentos para serem usados contra eles, os bolsonaristas.

Indicações feitas pelo ex-presidente para suprema corte reforçaram o processo de esvaziamento institucional da presidência, uma vez que fortaleceram as figuras que passaram a exercer o protagonismo no processo de ocupação de vácuo de poder que o próprio Jair Bolsonaro criou por inaptidão e despreparo absoluto para as funções de chefe de governo e chefe de Estado.

Historicamente no Brasil, o poder sempre foi centralizado e residiu ao menos nominalmente na figura do Presidente da República, que acumula também a função de Chefe de Estado além da chefe de governo, comandante militar supremo das Forças Armadas, chefe dos serviços de segurança, da Receita Federal e dono da “caneta” que executa o orçamento federal com prerrogativa de contingenciamento, inclusive das emendas orçamentárias oriundas dos parlamentares.

Todas estas atribuições presidenciais previstas na Constituição Federal foram objetivamente perdidas nos quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro por conta de sua inépcia e despreparo para o cargo e sua incapacidade de compreender e exercer o poder.

Um vácuo de poder que foi preenchido
O próprio ex-presidente fazia questão de vir a público anunciar “eu não posso fazer nada, estou de mãos amarradas”, afirmações estas jamais proferidas por nenhum governante em lugar algum do mundo. Em consequência e por efeito de inércia, o vácuo de poder institucional da presidência foi preenchido em parte pelo Congresso Nacional e em parte pelo Judiciário.

O próprio petista Lula, antes mesmo de ser eleito, dizia publicamente e textualmente que “é preciso recuperar as prerrogativas do Presidente da República”. Analistas interpretaram esta fala como sendo uma referência ao chamado orçamento secreto. Também o era, mas não apenas isso. Havia sim a percepção por parte do petista do esvaziamento do Executivo.

Obviamente Lula pretende recuperar as prerrogativas da Presidência da República uma vez que já deve ter percebido que suas falas caem no vazio, como já apontamos em vários artigo do Inteligência Analítica, pois os agentes políticos e econômicos estão cientes da fragilidade institucional herdada da presidência.

O petismo possui expertise de anos na relação com o Poder Legislativo. Prova disso é que o governo tem aprovado todas as matérias legislativas de seu interesse, mesmo com a  esquerda sendo minoria nas duas casas do Congresso. A novidade até mesmo para os petistas está nas características e feições recentes adquiridas pelo judiciário.

O apoio velado do governo à PEC das decisões monocráticas pode ter sido o primeiro ensaio da maneira pela qual o petismo pretende tratar da questão sobre o realinhamento das relações do poder no Brasil. O desdobramento é incerto, mas o pontapé inicial foi dado com a aprovação dessa medida. Pois ainda que ela seja em si de impacto relativo, sinaliza a direção que eventos futuros podem tomar.


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