A direita a ser reconstruída no país precisará romper com os vícios do bolsonarismo, sair da estratosfera do discurso unicamente ideológico, munir-se de balizas morais sólidas e aprender a falar com as pessoas comuns e para as pessoas comuns sobre os problemas reais vividos por estas pessoas, problemas estes que não cabem no quadradinho das curtidas e lacrações em rede social.
por paulo eneas
Após a desastrosa experiência dos últimos quatro anos, fica cada vez mais evidente que a direita brasileira, se quiser existir como força política organizada e apresentar-se como alternativa de poder à sociedade brasileira, necessita passar por um reset de natureza política, moral e metodológica.
Esse reset inclui obrigatoriamente o fim do bolsonarismo ou ao menos a sua redução à insignificância política. Inclui também uma completa mudança no mindset que prevaleceu até então sobre a maneira de comunicar os valores da direita ao público mais amplo, o que deverá ser feito pelo surgimento de novas lideranças políticas sérias e adultas capazes de trabalhar em cima de pautas mais propositivas e menos ideológicas, até mesmo em função do ambiente hostil que temos hoje.
A abordagem de temas como mudanças no sistema eleitoral, a pauta armamentista, o tratamento da agenda identitária da esquerda, entre outros, que foram até agora o carro-chefe do discurso original da direita que foi posteriormente capturado e corrompido pelo bolsonarismo, precisará ser reposicionado no timing adequado e na sua forma de comunicação ao público para não soar como o velho bolsonarismo requentado.
Esse reposicionamento é necessário por que precisamos compreender e reconhecer que estas pautas, por mais corretas que sejam, não dizem respeito aos problemas reais vividos no dia a dia pela população. São pautas que não estão no horizonte de consciência política do brasileiro comum. São pautas que carregam um forte conteúdo ideológico que sensibiliza um segmento da sociedade, mas não conseguem alcançar o público mais amplo.
Eu outras palavras, a direita a ser reconstruída tem que sair da estratosfera do discurso unicamente ideológico e descer para o chão de terra e de fábrica onde residem os problemas materiais e tangíveis das pessoas comuns, aquelas que não são afeitas ou que não se sensibilizam unicamente com o discurso ideológico.
A direita a ser reconstruída com uma base programática sólida, com viés ideológico claro e bem definido não para o proselitismo público, mas como bússola para a atuação política de seus integrantes, e com um guia de conduta ancorado em princípios morais firmes e inegociáveis, vai precisar aprender a falar dos problemas reais das pessoas reais fora das bolhas e nichos de rede social. Aprender a falar com elas e para elas.
Esta direita a ser reconstruída terá que reavaliar o papel das redes sociais, que de ferramenta de alavancagem do discurso político tornaram-se armadilhas que levaram a ex-direita sequestrada pelo bolsonarismo a descolar-se por completo da realidade, por acreditar ingenuamente que esta realidade política, econômica e social do povo brasileiro estivesse refletida nas redes.
Esta direita a ser reconstruída, despida dos vícios e do ranço e da modo aloprado de fazer política inaugurado pelo bolsonarismo, poderá então ter alguma chance num horizonte indefinido de vir a constituir-se em uma autêntica alternativa de poder no país, coisa que o flagelo do bolsonarismo hoje não o é e jamais o será após a devastação política e moral que este bolsonarismo produziu na ex-direita que ele sequestrou.