Questionamos em que medida a agenda identitária da esquerda poderá ser bem-sucedida na sua plenitude como projeto revolucionário, e por que motivo a direita não consegue fazer um embate efetivo a esta agenda, uma vez que este embate não se dá necessariamente na esfera do imaginário ou da guerra cultural, mas sim no campo institucional.



por paulo eneas
Por que a direita brasileira não consegue fazer um enfrentamento efetivo às pautas da agenda identitária da esquerda? Esta agenda, que vai desde a ideologia de gênero, linguagem neutra, sexualização precoce, redefinição do conceito de família até o aprofundamento do feminismo, não expressa necessariamente demandas materiais legítimas de algum segmento da população por igualdade de direitos civis.

Estas pautas são a expressão na esfera política e institucional de uma agenda ideológica que deita raízes na Escola de Frankfurt, cuja programa expresso, entre outros, pela sua Teoria Crítica, procura levar o ideal revolucionário até os fundamentos antropológicos da sociedade dentro de uma perspectiva de destruição criadora. Trata-se da “crítica radical a tudo que existe”, de Karl Marx, trazida para a esfera das políticas públicas.

Por ser uma agenda estritamente ideológica e não uma demanda com densidade social real em segmentos da sociedade, tal agenda não consegue se impor por meio da conquista do imaginário, ou pela sua incorporação plena à cultura. Ela somente se impõe pela força coercitiva do Estado, por meio de leis e ordenamentos jurídicos que preveem até a mesmo a punição ao descumprimento de itens dessa agenda.

Muitos analistas conservadores consideram a agenda identitária a principal expressão contemporânea do movimento revolucionário. Por outro lado, analistas até mesmo do campo da esquerda consideram o identitarismo um estorvo para o avanço da revolução. Um “desvio pequeno-burguês” no linguajar dos velhos comunistas.

De nosso lado, entendemos que cabe questionar em que medida a agenda identitária constitui-se de fato na principal expressão do movimento revolucionário, até mesmo pela impossibilidade dos principais itens dessa agenda virem a ser incorporados plenamente no tecido intrínseco da sociedade.

Isto é, entendemos que cabe questionar se realmente um projeto de engenharia social que somente pode ser viabilizado pela força coercitiva do Estado, uma vez que ele não encontra raiz no conjunto de valores e referências morais e de imaginário ou mesmo de condutas de vida herdadas do conjunto da sociedade, pode ser de fato bem-sucedido numa perspectiva revolucionária. Desenvolveremos esse questionamento em mais detalhe em artigo em separado.



Interessa-nos neste artigo analisar qual tem sido a real dificuldade da direita em fazer o embate a esta agenda. Em nosso entender, a dificuldade existe por que o combate efetivo à agenda identitária da esquerda deixou de ser objetivo político concreto da direita brasileira hegemonizada pelo bolsonarismo.

O enfrentamento concreto, na esfera da ação política institucional, deixou de ser ou talvez nunca tenha sido de fato objeto de empenho e esforço de articulação política, ou mesmo de ação governamental no período do Governo Bolsonaro presidente, para ver tais agendas efetivamente banidas do ordenamento jurídico, única esfera na qual esta agenda se materializa.

Pelo contrário, durante o período do Governo Bolsonaro assistimos a ampliação e fortalecimento desta agenda no ordenamento jurídico do País, por meio de aprovação de leis nesse sentido com apoio da então bancada governista e a adoção voluntária pelo então governo de tópicos desta agenda, principalmente nos programas assistenciais estatais.

O fato é que as pautas identitárias da esquerda tornaram-se excelentes pretextos ou molas propulsoras para o modus operandi de fazer política do bolsonarismo.

Um modus operandi que consiste no denuncismo permanente, sem qualquer consequência concreta no âmbito institucional, uma vez que estas denúncias focam sempre na exploração da “incoerência” da esquerda, e na criação de media happenings que gerem engajamento, que por sua vez se traduzem em ganhos eleitorais futuros para seus protagonistas.

Esta mentalidade e este modus operandi de fazer política inaugurado pelo bolsonarismo prioriza não a entrega de resultados, que neste caso seriam alterações necessárias no quadro institucional e no ordenamento jurídico que viessem a obstaculizar a agenda identitária, mas sim a denúncia permanente desta agenda, como se o enfrentamento a ela estivesse na esfera da opinião pública majoritária da sociedade.

Este modus operandi bolsonarista de fazer política tem um pouco de sua origem na direita trumpista norte-americana, cujos métodos mostraram-se eficientes para campanhas eleitorais, mas não como estratégias de ação de governo ou atuação parlamentar.

Sem uma mudança de mentalidade que leve ao abandono deste modus operandi, a direita brasileira hegemonizada pelo bolsonarismo dificilmente conseguirá alterar a realidade política e institucional de prevalença e avanço constante da agenda identitária da esquerda.

No entanto, resta saber se existe de fato interesse em abandonar este modus operandi, uma vez que ele tem se mostrado muito útil em termos de ganhos eleitorais e de visibilidade para o político que o adota, ainda que esteja sendo totalmente ineficaz para a ação política no que diz respeito a entrega de resultados.



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