O bolsonarista acostumou-se tanto a repassar sem pensar os briefings que recebe, que ele nem mesmo é capaz de perceber quando tem em mãos duas narrativas contraditórias que anulam-se mutuamente.


por paulo eneas
O bolsonarismo inaugurou a prática inusitada e desonesta de responsabilizar o eleitor pelo fracasso eleitoral de um político. Para o bolsonarista, a culpa pela volta dos petistas à Presidência da República é exclusivamente do segmento do eleitorado de direita que, frustrado pelas traições de Jair Bolsonaro, decidiu votar nulo ou se abster.

O bolsonarismo insulta esse eleitor, por meio de apelidos infantis como “isentão”, como se esse eleitor fosse responsável pela volta dos petistas, ignorando assim que o principal responsável pelo retorno petista foi o próprio Jair Bolsonaro, que durante seu mandato operou e articulou politicamente para a reabilitação política do petista Lula, acreditando que seria fácil derrota-lo nas urnas.

Essa postura do então presidente Jair Bolsonaro, que era a um só tempo politicamente amadora e arrogante, levou-o até mesmo a recomendar a seus próprios apoiadores que votassem no petista Lula caso estivessem descontentes com seu medíocre governo: “Quem não está contente comigo, tem Lula em 2022 aí tá?”, afirmou o então presidente ao ser questionado por uma apoiadora, como mostra o vídeo abaixo.



Dois briefings e uma contradição lógica
Não bastasse a estupidez de não reconhecer os seus próprios erros políticos e de gestão do governo que o levaram à derrota, o bolsonarismo ainda incorre numa contradição lógica insolúvel: pois ao mesmo tempo que culpa o eleitor de direita que não votou em Bolsonaro e se absteve ou votou nulo ou branco, os bolsonaristas bradam aos quatro cantos que a vitória de Lula teria sido decorrente de supostos problemas com as urnas.

Em primeiro lugar é falso dizer que Jair Bolsonaro fracassou no seu intento de reeleger-se por que parte do eleitorado de direita não votou nele. Pois uma análise política honesta, o que é impossível a um bolsonarista, mostra exatamente o contrário: parte desse eleitorado deixou de votar em Bolsonaro por que ele fracassou em seu governo e traiu as pautas da direita. Na derrota, a responsabilidade é exclusiva do político, que deixou de ser merecedor da confiança do eleitorado.

Além disso, os bolsonaristas têm que decidir qual briefing está valendo: este briefing irracional que culpa o eleitor pela derrota ou o outro briefing que diz que a causa da derrota de Jair Bolsonaro teria sido as urnas eletrônicas. Os dois briefings são mutuamente excludentes por implicação lógica:

Se a culpa pela derrota é das urnas eletrônicas, então o fato de parte do eleitorado de direita ter optado pela abstenção ou nulo é irrelevante, pois o problema estaria nas urnas. Por outro lado, se a culpa pela derrota é do eleitorado que se absteve ou votou nulo, então o bolsonarista está dizendo que não há problema algum com o sistema de votação.

O fato é que estas duas hipóteses bolsonaristas são simultaneamente falsas e mutuamente excludentes e servem apenas para blindar e isentar Jair Bolsonaro de qualquer responsabilidade como pseudo-liderança política e como governante.

Ocorre que o bolsonarista acostumou-se tanto a repassar sem pensar os briefings que recebe, que ele nem mesmo é capaz de perceber quando tem em mãos duas narrativas contraditórias, as quais ele enxerga com a naturalidade de quem não percebe numa Figura Escher, que ilustra este artigo, uma contradição da geometria.

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